terça-feira, julho 15, 2008

manuel santos carvalho

ali, entre o biénio 1989/1990, não houve uma única noite em que eu chegasse a casa bêbado, sóbrio, triste, alegre, apaixonado ou com dor de corno, sem que antes de me deitar não visse os seis minutos finais da canção de lisboa.

entrava em casa, fechava a porta com muito cuidado, cortava à esquerda em direcção à sala, pegava na caixa da canção de lisboa, carregava no play e no rrew ao mesmo tempo, até chegar à altura do final do exame do vasco leitão.

e podei perguntar, mas era por causa da piada do mastóideu? era por causa do fado final? era por causa do vasco santana? não, não e não. a todas as previsíveis perguntas eu respondo que não. a causa era só uma: manuel santos carvalho.

este senhor fazia o papel de alexandrino, amigo do carlos - interpretado pelo manuel de oliveira, numa altura em que ainda era um galã e não um gimbra realizador de filmes parados, muito parados ou estáticos - que era o dono do retiro onde o vasco santana cantava os seus fadunchos. ora, eu até gosto do humor do vasco santana, do antónio silva e tal, mas são as frases, os pequeninos diálogos que o manuel dos santos carvalho dizia ao longo do filme que me enchiam as medidas. ao que se diz, aquilo era tudo menos espaço para improvisação, mas as coisas são ditas de tal forma que o que menos parece é terem sido previamente escritas num guião. a acompanhar esta performance, atente-se nos gestos que ele emprestava à coisa. olhamos para ele e parece que a coisa flui duma forma o mais oleada possível. nada ali é feito como se estivessem em frente a uma câmara de filmar.

eu quero fazer aqui a minha homenagem a este actor português, com a sua bigodaça e com as suas poses e diálogos finais (é o senhor de fato mais claro, na aclamação final ao exame):

- olha, aqui está uma coisa que é bonita, não é verdade?
(após o abraço entre o vasco leitão (vasco santana) e o caetano (antónio silva), seu futuro sogro)
- deixa passar a família, homem...
(quando pretende que as tias abracem o seu sobrinho)

e finalmente, o brinde:
«peço a palavra. peço a palavra. irra, que peço a palavra! eu não sou orador. a única vez que eu fiz um discurso foi junto à campa fria do meu amigo
ernesto (árnesto no original) que se finou na flor da idade.

e foi entre (ic!) (ic!) soluços que eu me despedi daquele grande compincha. não desfazendo ali o nosso amigo vasco que também é um grande amigo.

eu não tenho dotes oratórios. eu não tenho (ic!)... não tenho palavras. (virando-se para o empregado surdo, de copo vazio na mão.) eu não tenho vinho. mas tenho uma coisa cá dentro (icccc!) [...] mas tenho uma coisa cá dentro que deve ser
satisfação (sastesfação no original) pelos auspiciosos enlaces que se realizam neste dia e que eu desejo que se repitam por muitos anos e bons.»



nota: para os mais distraídos ou menos habituados a imagens antigas, o manuel de oliveira é o senhor que está no anfiteatro do exame, sentado ao lado do antónio silva.

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