terça-feira, fevereiro 24, 2009

o primeiro? nah, o segundo!

ora segundo as minhas contas a coisa aconteceu no verão de 1984. o verão do against all odds, do when doves cry, do prémio revelação do verão que foi a paula da praceta - e que o tempo veio a confirmar como o melhor rabo na categoria "a pedir mão de mexer" que já caminhou pelos passeios calcetados da rua frei fortunato de são boaventura - do meu chumbo no nono ano e, justamente por causa deste último acontecimento, por imposição da mãezinha, da maior série consecutiva de idas diárias à missa.

a falta de ordeca por parte da família para me deslocar à praceta, precisamente para estar junto dos meus melhores amigos e dos tais rabos torneados, fez-me deslocar as minhas atenções para reles jogos de espiões na traseiras da tasca do zé careca.

ir para esse lado da picheleira em detrimento da praceta fez-me aproximar dum grupo de pessoas que não tinha, digamos, gajas. era, pois, um grupo mais virado para a competição futebolística. assim, disputaram-se alguns torneios - curiosamente jogados a apenas uma mão, a um jogo e no modelo "muda aos cinco e acaba aos dez" - contra uma equipa de maduros moradores na quinta dos embrechados da classe "sem ciganos".

não me recordo já de todos os jogadores mas sei que nessa equipa jogava o baterias, o irmão mais novo, o mário cabeçudo e, presumo, mais uns quantos que não faço a mínima ideia quem eram. na minha equipa, a memória também já me atraiçoa. sei, contudo que haverá um gajo ou outro que me lê e que se ainda os tiver no sítio - os neurónios, claro - acrescentará as necessárias informações que enriquecerão este divino post. bom, que me lembre, tínhamos repescado o jorge "capellini" duma transacta equipa da capitão roby para a nossa baliza, sendo a linha atacante composta por mim, lá atrás; no meio campo ficava o pires que
usava e abusava daquele drible popularizado pelo futre e que consistia em apontar com o dedo indicador direito o local para onde fugiria com a bola ao mesmo tempo que a mão esquerda ficava ali meio morta como se estivesse desprovida de tendões no pulso; lá mais à frente, o outro jogador era o brux e aquela sua infinita, eficaz, imensa e perene finta a dois tempos que consistia (consiste, suponho!) em pisar a bola puxando-a para perto do seu corpo afastado-a do adversário ao mesmo tempo que ela é passada para o outro pé deixando o outro jogador para trás enquanto arrancava em direcção contrária.

ó brux, fico na dúvida se em vez do capellini não era o saraiva o nosso guarda-redes. é que o capellini, como te bem recordarás esteve nas nossas balizas naqueles torneios contra o casal do pinto, os embrechados e a praceta. estou aqui a pensar melhor e nesses jogos contra os baterias ele não jogava, pois não? era o saraiva que nos defendia, não era? bom, vamos supor que sim.

ora bem, essa equipa dos baterias era formada por pessoal que tinha passado a vida inteira em barracas e tinham sido alojados num prédio de habitação social ali bem perto. ou seja, tinham agora casas em melhores condições que nós: sem verdete nos tectos da casa de banho e sem vidros das marquises partidos ou até inexistentes. eram uns gajos sem classe nenhuma e que jogavam simples, sem invenções e com muita trancada. além disso tinham treinador. eram orientados pelo pai do baterias. um homem alto e gordo que ficava ali junto da tasca do zé careca a orientar os ataques da equipa dos seus filhos.

os jogos eram disputados num belíssimo campo com terreno em terra batida no meio campo mais perto do prédio dos baterias e capim na parte mais afastada. uma das balizas era constituída por dois valentes calhaus e a outra, essa sim mais oficial, estava desenhada a ytong, na parede do referido prédio do baterias.

ora, apesar dos baterias serem uns putos feios e toscos a verdade é que davam valentes abadas a nós,
jovens "burgueses" da capitão roby. aquilo era inevitável, nós bem andávamos ali com fintas e fintinhas - atenção que eu nunca fintei na vida. era um central que limpava o jogo aéreo com a "souplesse" dum, digamos, lima pereira. agora fintas? nem pensar. - mas no final acabávamos sempre por perder. recordo um jogo em que chegámos a levar 10-2, uma vergonha para a velha guarda daquela nobre capitão roby. e por mais desforras que viessem, mais abadas apanhávamos. aqueles cabrões dos baterias jogavam como o boavista campeão: muita corrida, muita remate, muita disputa.

mas houve um dia, bom, um dia em que decidimos resumir num último jogo tudo o que tinha sido disputado naquelas férias. nesse jogo esqueceríamos todos os golos marcados, todos os sofridos e também todas as derrotas. esse jogo seria o do tudo ou nada.

e para não variar começámos por levar com uns quatro de seguida quase sem tocar na chicha. houve uma leve ameaça quando lá chegámos aos 4-3 mas daí a pouco estávamos já a levar 8-3. e é nesse momento que eu me chego à beira do brux e do pires e quase a espumar de rancor lhes digo para se deixarem de fintas e coceguinhas e desatassem a rematar à baliza do mano mais novo do baterias, porque eu iria ficar plantado lá atrás, sozinho, cheio de raiva, a defender os ataques do adversário à baliza do nosso pequeno guarda-redes, o nuno saraiva.

e num volte face, aquela dupla pires-brux engrena e começam a surgir os golos que imprimiram a mais fantástica reviravolta de marcador que a picheleira já alguma vez assistiu. em poucos minutos passámos de 8-3 a 9-9. a coisa estava mesmo mesmo ao rubro. o pai do baterias, coitado, já não sabia o que mais havia de dizer para animar a malta dos embrechados. e nada do que disse foi suficiente. isto porque desta vez nós corríamos (ó brux, tu bem sabes que nunca correste, não é?), desta vez nós passávamos a bola uns aos outros, desta vez nós vínhamos atrás ajudar o nuno saraiva.

e houve então o momento em que os baterias ficam com a bola. o guarda redes deles pega na chincha e manda-a em chuveirinho lançando o seu ataque. o jogo está, ali, empatado a nove. nos momentos seguintes decidir-ia a honra e o orgulho de dois quarteirões. dum lado o pessoal dos embrechados do outro os amigos da capitão roby. essa tal bola lançada pelo guarda-redes é defendida de cabeça por mim e atirada para o lado direito onde surge lançado o mário cabecuço preparado para se apoderar dela. o brux e o pires ainda estão lá para a frente. num passe mágico eu consigo desviar a bola do márinho e ela fica ali a rodopiar, já perto da linha lateral que era formada pelo lancil que dividia aquele campo do alcatrão da rua frederico perry vidal. levanto a cabeça - não levanto nada, mas fica mais bonito dizer que sim -, olho para a baliza - claro que também não olhei - e disparo uma pedrada do caraças que faz a bola voar o campo todo aninhando-se mesmo lá no ângulo superior esquerdo da baliza do mano novo dos baterias.

foi lindo. o povo grita um gooooooooolo interminável, deixo-me cair no chão enquanto que o saraiva se atira para cima de mim festejando duma forma louca. o seu primo, o nuno pires veio logo de seguida e ajuda a aumentar aquela pirâmide humana. o meu querido brux, segundo as minhas contas e as leis da física chegou, em passo de corrida calma, uns bons 3 segundos após termo-nos todos levantado. num remate do fim da rua, tínhamos arrumado de vez com os baterias e voltávamos a ser os maiores do mundo. estávamos vingados por todas as derrotas que eles nos tinham infligido. um valente chouriço meu tinha restabelecido a honra e o orgulho daqueles quatro rapazes.

ora eu lembrei-me deste meu chouriço quando vi aqui há dias o golo do liedson frente ao benfica. para mim aquilo foi um chouriço de todo o tamanho. agora vamos lá com calma que eu não estou aqui para dizer mal, longe disso. para mim aquilo foi um chouriço mas uma coisa com classe, uma coisa bem feita, um chouriço de arganil, digamos. agora não me lixem, a bola veio-lhe ter aos pés e ele, com classe, tudo bem, lá chutou em direcção à baliza. pronto, foi naquela "se der deu, se não der também não se perde nada". contudo, deu e por isso lá fica um golo de belo efeito. fica um golaço. um remate em arco, com a parte de fora do pé. foi um golo de se lhe encher a alma. mas continuo na minha, não deixa de ser um chouriço.

agora não me fodam, o futebol é um jogo de equipa, caraças! é um jogo com muita gente ao mesmo tempo em campo e por isso, para mim, golos bonitos são golos que nasceu duma construção de equipa, não nascem de remates vindos de ressaltos ou coisa parecida. esses, lá está, são acasos dos chouriços.

agora vejam comigo o segundo golo do bahiano. a bola parte ali do meio campo num passe do izmailov. o pereirinha está ali do lado direito e apanha a bola. ninguém lhe faz frente, ninguém está lá para o impedir de fazer o que quer que seja. entretanto mais à frente ele tem que passar por uma coisa qualquer que o quique, à semelhança do robson com o aloísio em nou camp, se lembrou de colocar no lado esquerdo. e passa. a seguir vem a parte mais melhor gira da jogada quando esse mesmo pereirinha se lembra de convidar o central encarnado a verificar se a relva do alvalade já se encontra rijinha, de boa saúde e se já não apresenta as maleitas do passado. pelos vistos não apresenta porque se nota que o rabo de preto saltita ao contactar no chão. depois o resto é história, com o pé esquerdo o bruno manda a bola lá para o centro da grande área onde havia quatro benfiquistas para dois altíssimos atacantes leoninos. parece incrível, mas os cento e senta e cinco centímetros que cada um dos atacantes leoninos tem foram mais que suficientes para levar de vencida, no ar, aquela defesa benfiquista. e aquela tolada do levezinho é uma coisa que precisa de ser vista, revista, gravada e nunca, mas nunca arquivada.

não me venham sequer com tretas, dizerem-me que o primeiro golo do liedson é melhor, mais bem executado ou mais bonito que o segundo é dizerem que o futebol se resume áquilo que nós fazíamos quando não tínhamos quórum para formar duas equipas: jogávamos ao pontapé inglês. ou seja, um ficava numa baliza e o outro posicionava-se na outra. e ali ficavam, uma tarde inteira a rematar em direcção contrária só podendo efectuar dois toques com a bola. um para a defender e o outro para a rematar.

agora pedradas e chouriços? nahhh, podem ser muito bonitos e intencionados, mas se não se contextualizarem numa qualquer jogada não são mais que isso: umas chouriçadas.

1 comentário:

Pedro Oliveira disse...

Caro amigo: Com tanta derrota, só poderia ser o "nosso querido Nuno Saraiva" o defensor da nossa baliza.
Estou em crer, que o "Quim da Ti Ana", fazia uma perninha pela equipa dos "Baterias". Recordo-me perfeitamente que do lado deles jogava um rapaz que tinha um olho de vidro, o que por si só já era um factor nada abonatório sobre a qualidade da nossa equipa.
Uma correcção; Recordo também que o pai dos Baterias (que Deus o tenha) ficava no primeiro patamar do prédio com a dupla função de treinador adversário e árbitro e não junto da tasca do Zé Careca (talvez pelo Sol).
Infelizmente não me recordo desse teu golo mas se tu o dizes é porque é verdade.
Como é que era possível já chegarmos " todos cagados e empoeirados" a casa ainda antes do almoço?.
Grande história, amigo. Digna do Bar do Justo.
Abraço grande por mais uma boa recordação.