quarta-feira, fevereiro 04, 2009

jovens culturalmente esclarecidos

eu confesso, não sou uma pessoa que gaste (perca?) muito tempo a reflectir sobre a educação que a minha filha tem.

penso nela, sim, mais nos momentos de aperto: quando ela faz birra, quando nos desobedece, quando ameaça levantar a mão, quando lhe dão os ginetes, quando não quer comer isto ou aquilo, quando não lhe apetece lavar os dentes ou o rabo, etc.

nessas alturas, sim, penso na educação que ela tem. e nessa altura, confesso, tenho de ver se os pés (os doiszinhos mesmo. o plural de pé) estão bem assentes no chão para não começar a alienar-me e a pensar que está tudo em causa. que o "tudo" está ali concentrado no "euuuuuu nããããããão queeeeeeero batatinhaaaaaaaaaas."

mas noutras alturas, quando eventualmente tenho pouca coisa com que pensar, reflicto (sim, eu também reflicto. estou a reinar, não reflicto nada!) se as outras "educações" que lhe dou são correctas ou pelo menos justas.

ela gosta de ver programas do canal da neixional giogréfique desde que os mesmo contenham animais. isso é uma das coisas boas dela. vejamos, estamos a falar da natureza e tal, ecologia, partido os verdes, deputada maria santos, comunismo e por aí fora. e encanta-me o facto de eu não fazer rigorosamente nada para que ela se mantenha nesse caminho televisivo. vê e pronto.

ela gosta de cantar as coisas do mamma mia mas também gosta de cantar outras coisas que eu gosto. porém, também neste campo não fiz nada por isso. se tivesse feito algo ela estaria a cantar o mother's little helper ou, eventualmente o mannish boy.

a pergunta que eu me faço é «qual é realmente o meu ganho em ter uma filha com gostos parecidos com o meu?»

se ela gosta dos livros infantis declamados pela sofia aparício e eu não, porque raio terei eu de me aborrecer com essa questão. (não me aborreço, aviso já, tudo bem.)

semanas após o seu nascimento, o avô chegou-se à frente e fê-la sócia do sporting. não do sporting da covilhã, também não do de espinho, muito menos do de gijon e, com pena minha, também não do de lourel onde jogou o seu tio monty. filiou-a mesmo no tal de sporting clube de portugal. alguns membros da minha família questionavam-se se eu tinha ficado, não digo zangado, mas, talvez, melindrado com aquilo. é óbvio que não fiquei. eventualmente ficará ela quando crescer e comparar a quantidade de vitórias que o clube do pai tem em relação às do clube dela. caguei! mas pronto, está feito. da minha boca não ouvirá nunca um «filha, este aqui é que são os bons. viva o ....»

nos livros e nos discos a mesma coisa. por que raio hei-de eu dizer-lhe que deve ouvir isto ou aquilo. porque raio não há-de ser ela a dizer-me que afinal o does your mother know cantado pela christine baranski é que é uma valente canção e não o new york minute cantado pelo don henley?

porque é que a idade que ela tem agora tem de ser o busílis que a não permite ouvir, à la gardere, as canções que ela bem quiser?

reparem, não estamos aqui a falar da comida correcta, de ser ou não bem educada e cortês com os adultos (e não só). não me refiro ainda a livros nazis, nem a músicas da mocidade portuguesa, nem tão pouco ao manifesto social-democrata. falamos de coisas mais latas como eu gostar do lobo antunes e a minha mulher gostar da isabel allende. de eu gostar dos marillion e de ela gostar dos presuntos implicados. é precisamente a mesma coisa, uns gostam de uma coisa e outros de outra.

também não estamos aqui a falar em colocar-lhe à frente dos olhos e dos ouvidos opções culturais que a levem para caminhos duvidosos. eu confesso, não sei se ver os morangos com açúcar (lá chegará o seu tempo) ou programas de wrestling é realmente pior do que ser atinadinha e votar no santana lopes. sinceramente e fora de brincadeira, confesso que não sei.

por isso digo que o que fico realmente a pensar é «onde estará a bitola neste campo educativo?», «o que é que é realmente bom ou mau para a canalhada?». em que parte devo ficar calado e deixá-la evoluir agarrando-se ao gosto que ela bem quiser e em que parte devo chegar à sua beira e mostrar-lhe um livro do millor fernandes e dizer-lhe «larga os contemporâneos, experimenta aqui este senhor. é melhor».

não tenho medo de não encontrar a bitola. tenho medo é de saber que afinal há uma bitola.

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