quarta-feira, agosto 22, 2007

selada das eiras

dedicado ao meu muito querido costa calado.

eu não era um grande amante de rallys. era mais da trupe da fórmula um. o piquet ainda reinava e por isso não via necessidade de virar atenções para outro lado.

mas um dia, mais precisamente em 6 de março de 1984, andava por lisboa a fazer os habituais recados ao meu pai, quando ao passar pelo largo de camões, me deparo com um enorme ajuntamento. fui ver (assim ao estilo da balada do gil) e afinal era um happening criado pela lancia para promover o rally de portugal. por lá fiquei, a suplicar autocolantes e porta-chaves, ao mesmo tempo que tentava afincadamente sacar um autógrafo de um dos pilotos presentes: bettega, toivonen e allen. às tantas eles têm de arrumar a tenda e os carros põem-se em andamento. meu deus, assim que eu ouvi aquele bóint-bóint-bóint dos carritos fiquei doidinho. doidinho ao ponto de ir lado a lado com o 037 do italiano, rua do alecrim abaixo. que show, meu deus. foi a minha epifania para esta trupe de saltimbancos.

não passei a amar os rallys, mas passei a seguir com atenção o rally de portugal. e claro, o toivonen passou a ser o meu favorito (era o mais simpático dentre os que lá estavam no chiado. sim, ainda mais que o allen) (vejam lá bem o efeito que estas promoções fazem nas cabecitas dos miúdos. ai o futebol português tem ainda tanto para aprender...). recordo-me que até ao seu abandono ele papou os troços todos de sintra. limpinho. e claro, conversas que eu achava desinteressantíssimas, passaram a ser escutadas de ouvidos bem atentos: histórias de sintra, de fafe, etc.

ordeca para ir ver estas coisas é que infelizmente nunca cheguei a ter.

anos mais tarde, quando os meus pais voltaram a comprar a casa onde a minha mãe e seus irmãos e irmãs nasceram, ali em vila nova do ceira, passei a ter um contacto ainda mais estreito com essas histórias. atentem o seguinte, havia um troço, o da candosa, a menos de um par de quilómetros da porta da minha casa. as equipas faziam os seus preparativos e montavam as suas tendas, ali mesmo dentro da aldeia. é pois natural que aqueles meus amigos tivessem dos pilotos uma opinião bem diferente daquela que nós - que apenas seguíamos pela televisão - tínhamos. eu que odiava o röhrl, por exemplo, fiquei a saber que afinal o tedesco era um porreiraço. pormenores, não é?

calhou de caminho, a minha irmã arranjar para namorado e marido, um rapaz louco pelos cabrões dos carros e conhecedor da serra de arganil e arredores - bem abrangentes, diga-se - como a palma da sua mão. e assim foi com ele que eu em 1988 finalmente vi ao vivo e a cores os carros a passarem à minha beira.

meu deus, o pó, a noite, o frio, o nascer do sol lá na serra, o ambiente, as bocas que se mandam, as bebedeiras e, já agora, os carros. tudo aquilo era francamente novo e bestial.

e muito bom foi também quando finalmente, num dos anos seguintes, tive oportunidade de ver os carros no spot mais fantástico de todo o mundial de rallys, o gancho da selada das eiras.

pooooooorrrrrraaaaa!

chegámos lá, suponho, vindo de relva ou mesmo de teixeira, já não me recordo bem. aquele povo todo amontoado, um bruá enorme, muita, muita gente. roulotes de bifanas e bjecas. um show, um show. recordo-me dum grupo de três bêbados sentados em cima duma pedra - um com a parte da frente duma guitarra toda escavacada, outro com um capacete com cornos e finalmente o terceiro com um enorme badalo - que faziam um show do caraças quando os carros passavam.

e finalmente chegam os bólides. inexplicável, meus amigos. os carros chegavam lá subindo a estrada que vem do salgueiro, depois atravessavam-se completamente pelo gancho dentro, durante uns bons valentes metros, para finalmente darem gás àqueles motores pela estrada que os levavam aos ganchos de lomba.

fiquei doidinho.

ainda vi o rally naquele local, mais umas duas ou três vezes - não vi mais porque para se ir à selada das eiras ficávamos "presos" e impossibilitados de ir ver outros troços. e a ideia era ver aqueles carros o maior número de vezes possível - e não consigo encontrar emoção (nem mesmo do que vejo na tv) como naquele local.

nestas férias voltei lá, desta vez sem a ajuda do meu cunhado-guia para reviver aqueles momentos. o local está diferente, há partes que estão alcatroadas e que na altura eram em terra batida, mas o coração apertou com saudades de ver os carros a largar pó por aquela serra de arganil.

meu querido rui, deixo-te aqui três fotos. duas encontrei num fórum do autohoje, esta retratando a subida do pessegueiro - olha-me bem a dureza deste piso -


a outra já mostra o röhrl a a chegar ao cabrão do gancho


finalmente a foto que eu tirei. vê comigo: os gajos chegavam daqui da direita - atenção que o jorge bica disse que atingia ali na subida 180 km/h - e no final dessa rectazita davam um toque de volante, obrigando o rabo a sair para a esquerda - vi ali um camone partir uma perna porque levou com um guarda lamas - para curvarem já em slide de ladecos atravessando assim nessa posição a estrada alcatroada (aquela onde está o meu carro estacionado) a fim de embicarem a frente para aquela estrada, paralela à tal do meu carro. atenta que na altura a única parte alcatroada eram aqueles quatro ou cinco metros da estrada principal, tudo o resto que vês na imagem não estava alcatroado. ok?


a pergunta que te faço é a seguinte: será que com este texto te consigo pôr a gostar de ganchos em vez de continuares com essa mariquice de só gramares ver os carros a bombar nas rectas?

5 comentários:

Gonçalves disse...

Quando comecei a ler isto assustei-me. É que há muita boa gente que aprecia bastante uma boa "selada de maionésia, ou de alfacia, ou mesmo de tomate".

Anónimo disse...

Ainda fizeste o "gancho" com o teu carro???


;-P

tcl disse...

Eh Pitx, parabéns pelas 100.000 visitas. estás cemilário, pá!
Quando eu daqui a 20 anos chegar lá, faxavor de me retribuir os parabéns, vale?

Anónimo disse...

Meu irmão, o que eu já tenho são muitas saudades tuas. Não podemos ficar todos tanto tempo sem saber uns dos outros!!

Nota: Qdo vou para um rally não é para ver os gajos num ganjo a passar "devagar".... para isso vou à janela ver o trânsito!

Aquele abraço
Costa Calado

Anónimo disse...

Ganchos. Grande escrita. Quase fiquei como tu no Camões só de ler.
Abraço!