segunda-feira, abril 09, 2007

incongruências





abrantes é das terras mais feias que eu conheço. não me refiro àquela fealdade tipo brandoa, tipo venda das raparigas ou baixa da banheira. não, refiro-me a uma feiura, assim, feia, pronto. e no entanto eu passo por lá e imagino a traição que teria de fazer à minha opinião caso me apaixonasse por alguém de lá. começava a ir lá uma vez, depois duas, três vezes. depois vinham as amizades – há sempre pessoas boas em todos os locais do país – depois vinham as patuscadas, depois vinham os copos, as histórias e quando desse por ela, estaria especado em frente à tabuleta da terra a dizer:
- gaita, como é que foi possível eu ter passado a gostar de ti.

com algumas músicas, filmes, séries de televisão, livros, jogadores de futebol, sei lá, tanta coisa, sucede o mesmo. até prova em contrário, eu julgo que a melhor campanha de marketing é o amor. a segunda melhor é a amizade. a pior campanha é com certeza o ódio ou talvez, sei lá, o ciúme.

digo isto porque apesar do resto das coisas dos cabecinhas de telefonia, o creep é uma música que eu adoro porque ela também gostava; o escuta zé-ninguém é um livro que eu gosto – ou pelo menos gostava, pronto – porque ele também gostava; o tumulto das ondas do mishima estava-me a parecer um livro vulgar até ao momento em que ela me leu em voz alta duas descrições duns crepúsculos como só o mishima consegue contar; o “só pra dizer que te amo…” era uma estucha à moda antiga até ela ter carregado no play lá do comando numa manhã de junho em que estava muuuuito calor; o haven’t got time for a pain era uma coisa demasiado melancólica até ao dia em que a ouvi cantar duma forma realística e verdadeiramente melancólica; e até o el greco me parecia uma coisa sem jeito nenhum até o dia em que assisti, ao vivo, a uma lição de pintura, ali, em toledo, mesmo ao lado do enterro do conde de orgaz; o fame foi visto na companhia dela, num sábado à tarde com chuva lá fora e; finalmente; eu passei a ouvir a música francófona duma maneira, vá lá, um tiquinho diferente, a partir do dia em que ele – que me chamava maricas e cabrãozinho com a mesma ternura com que me pedia um abraço, um carinho ou me escancarava as portas da sede do pcf - me traduziu, palavra por palavra o la quête cantado pelo brel.

é verdade que estive vinte anos sem conseguir ouvir o morrisey porque ele também gostava dele, é verdade que deixei de atinar com o pedrosa - que foi do salgueiral e da lagartada - porque era parecido com ele dela e é também verdade que tenho esperança de voltar a ouvir o robert smith - exceptuo o charlotte sometimes e o hanging garden, - de que desisti há vinte anos também, simplesmente porque toda a gente consumia os the cure.

é a vida.

1 comentário:

Gonçalves disse...

Correção, meu caro.
O ciúme é natural, até os animais o sentem.
Inveja, essa sim, o pior sentimento entre seres humanos, chega a matar.