quando as outras pessoas nos perguntam sobre ti, dizemos que és uma peste, que tens um pedal do caneco, que tens um feitio complicado. atenuam depois, corrigindo o que lhes digo, informando-nos que o que tens é uma personalidade vincada. é normalmente nestas alturas que lhes tenho vontade de lhes espetar com um tubo de pvc pelos cornos abaixo (olha, olha, personalidade vincada!.... tá bem, tá!).
tu não tens nada dessas paneleirices da personalidade vincada, tu és é uma gaja lixada. apregoam que assim é que os miúdos devem ser. dizem que os sossegadinhos não têm piada nenhuma. sim, concordamos, até temos cá em casa uma ou outra boca sobre uma criança que só nós cá sabemos e com quem tu te dás porque, presumimos, gostas de "naturezas mortas".
mas gaita, tu exageras. tu és, desculpa o termo, fodida!
ontem ficámos em casa os dois sozinhos. julguei que sem a mãe a coisa iria ser mais fácil. sou tão estúpido, como fui eu acreditar que ainda eras aquela menina que se portava bem quando estávamos os dois juntos. nahh, nada disso. não há um cabrão dum dia - um unicozinho, porra! - em que não faças birra para o banho, em que não faças birra para lavar os dentes, em que não faças birra para comer, em que não exijas o filme, em que não exijas aquele determinado filme - que varia de dia para dia -, em que ...... em que seja lá o for.
armaste-te em esperta porque querias pôr a sopa de lado e só te apetecia o arroz de frango, assim frio, à temperatura do frigorífico. caguei para a temperatura com que querias comer, por mim tudo bem, mas a sopinha, ainda por cima uma coisa fina, feita naquela cena da bimby, pá. bolas, não me venham com coisas. nah, isso tinhas de comer.
começaste logo a estrebuchar: que não querias e tal. partimos então para a guerra. é claro que depois já não vias nada, desataste a abanar os braços e a cabeça
cagando obviamente com sopa verde aquelas pontas de cabelo que tens assim aqui de lado, sabes? aquelas como as da malvina da gabriela, a que gostava do rômulo, lembraste? baldando o tapauér para cima do teu colo e parte da sopa para a mesa.
irritaste-te ainda mais porque eu mantive a calma - mas estava em broa por dentro, compreendes? - e continuei impassível a dar-te a sopa. é claro que percebeste mais tarde que a sopa era deliciosa. és tão má a disfarçar, minha tola. choravas, choravas, mas quando te punha a colher à frente da boca, às tantas já a procuravas, já ias aos seu encontro e não tinha de te a enfiar pelas goelas abaixo.
tola, pá!
no final do capítulo sopal tirei-te a roupa toda, sentei-te de castigo de frente para a parede e proibi-te de virares a cabeça. enquanto eu lavava a cozinha, quase toda, choravas desalmadamente mas não vergaste. nunca vergas:
- eu não gooooooosto do pai, só gostooooo da mamããããã!
depois foi a parte das abluções na casa de banho e de vestires um pijama lavadinho. e não paravas de chorar....
cortei relações contigo, depois de tudo limpinho (eu, tu, a mesa, a cozinha....) sentei-te na mesa com o arroz quentinho, um copo de água à frente, a colher, um guardanapo, ordenei:
- come e não esperes que te ajude em nada. hoje estás a ser feia, estás a ser mais feia que as bruxas - ai o que eu lhe fui dizer! - e no fim, é cama, sem filme e sem história da anita!
a cozinha estava silenciosa.
mas tu sabes controlar o esquema todo. enquanto eu comia a minha parte, tu vinhas de mansinho bater com o teu copo no meu copo e dizias:
- tchin, tchin, paizinho. bebe, bebe, vá!
e eu moita, ali calado e a comer.
e tu começavas a explanar, com essa tua forma pantomineira de contar as coisas, com os braços abertos, assim como o hermano saraiva, entendes?:
- sabes pai, eu estava a portar-me mal mas já não estou. agora estou bem. estou a comer tudo vês?......
e eu com vontade de rir, mas com ar zangado.
e tu:
- não fiques triste, pai. eu como tudo e depois tu contas a história. eu vou lavar a loiça e vou lavar os dentes....
e até comeste tudo, tendo o gosto em mostrar que estavas a comer de boca fechada ou que te inclinavas para a frente para não deixar cair comida. deixei-te lavar a loiça e, é verdade, também lavaste, sossegadinha, os dentes.
mas eu tive de arrumar uma coisas que chegaram do supermercado e deixei-te sozinha no teu quarto
filmes, nem pensar!
e quando lá voltei estava tudo em pantanas.
- beatriz, arruma isto tudo, se não pego nas tuas bonecas e nessa quinquilharia toda e levo amanhã para os teus coleguinhas da escola.
tu, egoísta como tudo
ai o que eu me chateio com isso, pá. és gaja de extremos: tanto és capaz de berrar para não emprestar nada a ninguém, como és menina, sem ninguém te dizer nada, para juntar meia dúzia de coisas que adoras e pôr num saco para dares a alguém
começaste-te a passar dos carretos com os gritos do costume e foste logo recambiada para o meio dos lençóis com a luz apagada e tudo.
minutos depois começaste a desbravar a via diplomática:
- paizinho, estás na sala?
nem te respondi.
depois, pé ante pé, assim de surra, apareceste-me à frente e sentenciaste:
- amo-te muito, paizinho. queres um abracinho?
continuei impávido mas não sereno.
vieste dar-me um abracinho, viraste costas, foste para a cama e no caminho ias ralhando comigo:
- ai, ai, ai, ai, ai ai, senhor paizinho, hoje esqueceste-te de me dar o leitinho quentinho e doce. ai, ai, ai, ai, ai, ai. isso não se faz, senhor paizinho.
e quando te deixei o leitinho lá na cama, voltaste a dizer: amo-te muito, paizito!
eu que sou um pouco - muito! - descrente destas coisas das hereditariedades, tenho de concordar que és realmente um produto mais que perfeito: tens essa colecção de ginetes indomáveis que eu tinha quando canuco mas soubeste adocicar a estirpe, adicionando-lhe o charme sedutor da tua mãe.
e por isso me apetece chamar-te tantos nomes, alguns mesmo feios. porque sabes bem que podes não me convencer, mas vais-me aos poucos - olha olha, aos poucos, aos muitos, é que é! - vencendo.
parva!
14 comentários:
Filhos = amor, amor amor, amor / vontade de os pôr lá fora e fechar a porta / amor amor amor amor
Gira, a miúda de tigre! um doce que compensará um pouco das birras,não?
:-)
apetece-me dizer uma data de baboseiras depois de ler isto...
olha, fica só assim:
estou contigo, meu caro!
Eu amo essa miúda!!!!
É pá. Ainda não te habituaste?
O que é que achas que vai mudar?
Achas que a tese do "nós não erámos assim" é verdadeira?
Abraço e um beijinho pá Beatriz por me fazer lembrar a "anjinha" que cá tenho em casa....
:)
Adorei!
tens aqui um clube de fãs a comentar.
um final de dia tão parecido com o meu, credo.
hehehehe
São todos iguais, fazem de nós gato sapato!
Grandas melgas!
Uns fofinhos é verdade, mas chatos cumó caraças...
é só amor, é só amor... :P
Brilhante o post Sr. Paizito!
Tou contigo no sofrimento pá! Eu sei o que custa controlar a vontade de rir nessas situações. Digo-te mais, os putos nestas idades sabem bem mais que nós. Sinceros, amorosos, por vezes cruéis mas um doce de ternura.
Que bonito.
:)))
BRILHANTE!!! LINDO!!! (falo do post claro está)
...ninguém te avisou, que a partir daquele dia que a viste chegar a este mundo a tua vida ia mudar para sempre???...de todas na vida essa é garantidamente a melhor :)))
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