domingo, janeiro 13, 2008

cuspo

a maior parte da minha educação culinária foi alicerçada à base de sopa. nada dessas mariquices de prato, colher e guardanapo no colo, mas mais ali, no duro do beiço na malga e manga a limpar a boca.

tive de tudo: em momentos de aperto (aperto "horário" que lá em casa nunca se passou fome de sopa) a clássica maggi e, quando a coisa era feita com tempo, valentes salganhada com aquelas sopas espessas, grossas e pesadonas. normalmente a coisa era sempre feita com sopas deste último grupo, coisas em grande. do tipo de sopas que se lhes mergulharmos uma colher, esta fica ali, de pé, orgulhosa e sem tombar.

agora, parece moda, pelo menos ali para os lados do colombo, falar-se em cuspir na sopa: o jesualdo responde aos insultos duns energúmenos e o nuno gomes diz que não se deve cuspir no prato da sopa; o hugo leal foi para espanha e o vale e azevedo logo veio falar em cuspir na sopa; o veiga manda umas bocas e o rui costa diz que não se deve cuspir no prato da sopa; o maniche disse um dia que a família era sportinguista e logo aquele sócio barbudo veio falar na sopa......

portanto, por tudo e por nada se fala na sopa.

muito habitual, desta vez não lá para os lados do colombo é dizer-se: "ah e tal isso ele já não se recorda, mas fui eu que o tirei da sarjeta"*

e eu juro, eu deliro com estas palavras. deliro porque normalmente quem as diz não tem razão rigorosamente nenhuma para dizer estas coisas. há excepção, talvez, do mantorras (e mesmo assim, não sei), que eu me recorde, não há ninguém na luz que ande a ganhar ordenado sem trabalhar.

eu gostava de saber a partir de quando é que podemos criticar, mandar bocas ou parar de bajular um ex-patrão? e um patrão?

quer-se dizer: um gajo anda ali a trabalhar, a dar no duro (ou não). para isso recebe o devido salário no final do mês. se as coisas se passarem assim, temos de andar o resto da vida de boca calada sem fazer uma única crítica. já o patrão, esse, pode dizer o que quiser do seu funcionário.

há uns vinte anos, numa leve conversa com um antigo patrão, distraí-me e
sem imaginar que iria magoar alguém, disse que o cavaco deveria abolir a taxa da televisão ou, mantendo esse imposto, retirar a publicidade da tv. ele, uma das pessoas que tiveram o azar de passar pelas consequências de ser recambiado de moçambique para portugal após a revolução, passou, desse dia em diante, a chamar-me guevara e a boicotar-me todo o trabalho que eu diariamente fazia: "não meu guevara de quintal, está mal feito, torna a fazer de novo."

ou seja, para os olhos das pessoas que falam em "cuspir" lá para os lados da luz eu devia era continuar o meu trabalho de palas asininas nos olhos sem bufar nem tugir. compreendo, compreendo...

é que dá a ideia que o viera ia ali pelos anjos, quando ao passar na sopa dos pobres viu o veiga na fila e disse-lhe: anda daí que eu dou-te um caldinho lá no estádio. com o jesualdo foi a mesma coisa: estava sem treinar e tal quando um punhado de benfiquistas lhe disse "olha, ó manel, não penses mais nisso, toma lá um pacote destes, pede lá à tua zulmira que aqueça um tacho de água e é só deitar isto lá para dentro." será isso que lhes passa pela cabeça?

confesso, não sei o que se passa nas cabecinhas destas pessoas.

* há testemunhas que me viram a tirar duma sarjeta, um nobre figura do jet set nacional. estava a abarrotar de álcool - e outras substâncias que não pude comprovar - e jazia, sorrindo e babando-se, sobre o ferro frio da grade que cobria a referida sarjeta. peguei nele, dei-lhe uns pares de estalos e, como não reagia, deixei-o encostado a uma árvore. fui profundamente censurado pelos restantes companheiros da noite, não pelo acto de o ter retirado da retrete mas por não lhe ter palmado a carteira ou comido o prói.

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