segunda-feira, novembro 17, 2008

cabral

o meu bairro não foi produtor de pessoas que possamos dizer que vieram a ser, digamos, vá lá, famosos.

quando lemos as entrevistas biográficas nos jornais a quem quer que seja, há lá sempre uma ou outra referência a um antigo amigo de infância que agora é ministro, ou jogador da bola, ou actor de teatro ou reitor universitário. no meu bairro não temos nada disso.

quanto muito temos um gajo que jogou na primeira divisão, um outro que foi porteiro de discoteca e sex symbol regional outro que foi dirigente federativo e pouco mais. pessoas com cursos superiores antes da minha geração não foram coisa abundante. ainda agora recordo bem o cachet que era podermos dizer como remetentes - já que imaginaríamos algo muito distante, podermos ouvir como destinatários - «o nuno, primo do kaiser anda no técnico." carái, andar no técnico, imagine-se. porra, era algo muito além.

assim, tirando os que tiveram sucesso, digamos, individual - e houve, obviamente, muitos, graças a deus - gente famosa, meus amigos, não houve.

a minha escola secundária, o rainha, já teve mais qualquer coisa de, digamos, conhecido: há ali aquela que escreve nos jornais; aquela que namorava com o irmão da cláudia e que tinha sido miss fotogenia ou lá o que foi; aquele que é, digamos, empresário na área canina, etc.

saudosista como eu sou - será que é um mal (ou um bem) exclusivo da minha geração? - faz-me sempre bem, saber o que é que este ou aquela "agora fazem". se casaram? quantos divórcios agora têm? em quantos blogs escrevem? coisas assim, nada mais que isto. não tenho a veleidade de imaginar que vou estar com eles todos os dias da minha vida, não sonho que vou passar o resto das noites a falar com eles ao telefone, não pretendo convidá-los para o baptizado dos meus filhos, nem quero que me forniquem a alma quando o meu clube perde... mas gosto, gosto de saber que (ainda) existem.

ainda antes desta coisa de mircs, mails, blogs, ou hi5, vi, uma noite, num programa da rita ferro rodrigues um dos meus dois melhores amigos da preparatória. ihhhh, ele estava na mesma. já não falava com ele há uns valentes anos e fiquei ali meio estarrecido a olhar para o gajo a ser entrevistado pela miúda. ele agora tinha uma actividade profissional completamente diferente daquilo que eu imaginei, quando tínhamos 11 anos, que ele pudesse vir a ter quando fosse crecido. pensei que o seu futuro estava ligado a qualquer coisa como a redacção dalgum "jornal do incrível" ou, eventualmente, ser funcionário da nasa. mas não. durante o seu percurso numa escola secundária diferente da minha, era um dos sex-symbols do camões, foi surfista, gostava de música de vanguarda e ali, no programa da tv dizia-se escultor/restaurador. um mimo! não descansei enquanto não telefonei para lá, inventando uma pergunta reles qualquer, apenas pelo prazer de lá enfiar a frase "... só por curiosidade, eu sou o jaime, teu colega da cesário verde...". prazer esse redobrado porque ele fez aquele sorriso que o nick também faz quando a karen começa a tocar os primeiros acordes dos stones no funeral do alex.

na minha vida tive sempre um ou outro fio solto de antigos amigos. gente com quem me dava muito bem e que a vida obrigou a que cada um seguisse o seu caminho. gostei de rever, por exemplo, há uns quatro anos, na fil, o meu primeiro amiguinho da primária. foi mesmo emocionante, confesso. e já nem encomendo que do lado de lá também haja o mesmao enternecimento. eu não posso obrigar que todo o mundo venha com o pacote "vaz nápoles" incluído na encomenda. - meu caro engenheiro, sabes do que falo, não sabes?.

por isso foi com alegria que descobri, noutro dia, que dentre o grupo de pessoas que entrou sorrateiramente pela porta de serviço do prédio da sinfonia, na avenida de roma, para se entregar aos prazeres carnais dum jogo de bate-pé, há gente que agora são engenheiros encartados, tradutoras de grego ou ilustres advogados. não fiquei alegre por saber que são essas coisas todas, fiquei foi contente por saber que essas pessoas ainda existem. o facto de terem essas profissões tão credenciadas só apimentou a coisa.

mas gostava de saber, sei lá, o que faz o varela que andava sempre de sobretudo; o paulo jorge que era a loucura das meninas e que vi pela primeira vez trajando umas jardineiras de ganga quando fui ver os horários do segundo ano; o luís pedro de odivelas, o rui fernandes de chelas; o edmundo que virou bombeiro, a cláudia - menina do meu primeiro beijo -; a paula boazona; o carlos «gordo» augusto; o ayala botto; o picanço; o emílio; o ratana; o amaral...

gente que não vejo há mesmo muitos anos e a quem gostava de dizer «olá, recordas-te de mim?».

adiante.

vi-o há uns 20 anos ali na actor taborda. ainda pensei que não fosse ele, mas parecia mesmo. vinha a sair do prédio do independente mas a última coisa que imaginei foi que trabalhasse lá. o luís?, nahh, não pode ser.

aqui há umas semanas leio uma referência a um lançamento qualquer dum livro na fnac do chiado, onde teriam estado um "ex-colegas do autor, no tempo em que escrevia no independente de nome...". eh pá, pensei, tu queres ver que é mesmo ele? googlei o nome e lá encontrei algumas referências mas nenhuma fotografia. que caraças, será que, seguindo o curso natural do seu envelhecimento capilar precoce, já estava com o cabelo completamente branco? pois, não pude responder.

e a vida seguiu.

sábado precisei de comprar um jornal para os meus sogros. sentei-me para o folhear e a dada altura lá estava ele. carái, é mesmo o luís!

que giro!

e olho para aquelas fotos, leio o que escreve e aquilo não me faz sentido. tento me recordar dos seus atributos e os académicos são os que menos recordo. lembro-me que comigo - e com mais uns quantos valentes - reprovou no nono ano. lembro-me que comigo andou quatro anos na mesma turma mas o que mais recordo é da sua finta com bola. tinha uma forma fodida de fintar, assim, com a bola sempre junta ao pé. ali, parecia que a conduzia como se ela estivesse presa com um elástico. e fazias marselhesas que eu lembro-me bem. estou aqui a pensar, tu eras dos iniciados do teu sporting não eras? era o firmino - ah firmino, lembrei-me tanto de ti nestas férias que fiz na madeira, pá - nos juvenis e tu nos iniciados, não era? e a forma como ias por ali fora, assim meio inclinado, a fazer avançar a bola, com pequenos toques, sempre conduzida pelos dois dedos de fora do pé direito, não era?

agora coisas escritas? caneco, é que não estou mesmo a imaginar-te a fazer isso. a escrever? ainda por cima no expresso? que giro, pá. é que nem sei se tens mérito para isso, mas a verdade é que estás lá. sabes que fiquei orgulhoso? bem sei que é uma coisa parvita, mas fiquei, pronto.

sabes que sei de cor o teu aniversário? 21 de maio, não é? e sabes porque o sei? porque é o mesmo dia em que pedi namoro a uma gaja, ao vivo, ali duma forma oral, num sábado do início dos oitentas, no ginásio lá da escola.

e sabes o que é que aconteceu também nesse mesmo dia? uma valente bebedeira: eu, tu, o rui, a cristina - vi-a noutro dia, ainda com o gugas, imagina só. devem estar juntos há quase vinte cinco anos, não é? - e mais a carla, o augusto e a sofia a assistir. que cena, nós na sala de geografia, recordas-te? um dia conto-a aqui, vale? foi o dia de são smirnoff.

mas repito, é giro ver-te assim, descontraído, lá nas fotos. maravilha! acreditas que até já tinha pedido a um amigo que mora na tua (antiga) terra, se ele conhecia gente da nossa geração que pudesse reconhecer o teu nome? é coisa de parvos, não é? mas nem era para te chatear, acredita, era só mesmo para saber que existes. saber o que sentiste ou onde estavas quando o nuno gomes marcou aquele terceiro golo contra a inglaterra em 2000. ou saber como viveste o teu título com o inácio a comandar os teus leões. coisas assim, sabes?

pronto, não te chateio mais. quis só mesmo dizer que fiquei contente por finalmente te ver. fiquei ainda mais por saber que escreves, deus do céu.

a minha terra, os meus colegas não deram em celebridades. mas a minha vida ainda não acabou, um dia destes ainda os surpreendo quando estiverem sentados numa mesa qualquer dessas fnacs da vida, enquanto que eu ali estou em pé, na fila para recolher um autógrafo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Lindo texto :)