segunda-feira, dezembro 01, 2008

a minha pilinha é maior que a tua

1 - todos sabemos o quanto os jovens são cruéis e pouco criativos. mas, haja justiça, são directos. por isso se há alguém que na turma seja loura, logo, ganha a alcunha de "a loura"; se é narigudo, aí o leque de opções é mais variado «pinóquio», «pencas», «chaveta», etc (sei do que falo); se é preto, adivinhem, é isso, chamam-lhe «o preto», se é coxo chamam-lhe «mantorras» e por aí fora.

com as diferenças musicais sucede a mesma coisa. agora, confesso, não sei, mas no meu tempo de «pinóquio» era cool gostar-se de música de vanguarda, mas não era cool gostar-se dos dead kennedys; era bem gostar-se dos genesis (pré "trick of the tail), mas não era bem gostar-se dos marillion - contudo, para algumas franjas da sociedade, era bem gostar-se desta banda -; era bem gostar-se dos omd mas não era bem gostar-se dos duran duran; podíamos gostar dos dexys mas nem pensar gostar, sei lá, dos tom tom club. já dos talking heads, curiosamente, era obrigatório gostar. podíamos e devíamos gostar dos clash, mas seria, no entanto, de muito mau gosto, gostar dos cramps.

num nível mais reles do gosto musical, além de estupidificante, era comprar uma guerra com o mundo, gostar-se dos: wham, do jim diamond, do gazebo, dos scotch ou da rádio cidade. e mesmo que as pessoas se divertissem mais a roçar as partes baixas ao som do power of love dos fgth ou do sign your name do terence trent d'arby, deveríamos mentir e dizer que aquele roça roça tinha acontecido enquanto o david lá na festa da sofia, tinha colocado o stairway to heaven.

um dia, o pio, um jovem com um toque de bola apuradíssimo, teve a sensatez de andar-se a passear por entre as colunatas do pátio do rainha com o movement dos new order. ora, actualmente, com a internet e a divulgação massificada de tudo o que existe no mundo musical, desde som, capas ou letras, eu julgo que ninguém consegue ter noção do quanto isso poderia significar em 1983. foi a primeira vez que eu vi esse disco nas mãos de alguém. sabia que existia, mas nunca tinha sequer visto a capa, nem lhe conhecia as cores. recordo-me que andei por ali a vaguear à volta do gajo só para ter o prazer de estar a olhar para aquele disco.



tempos depois ele andava com o under a red blood sky. carai, o gajo tem o under a red...? não, não tinha sido a primeira vez que o via, mas o endeusamento à volta do rapaz foi aumentando. ele era mesmo cool. o passo seguinte foi com o steve mcqueen dos prefab sprout, não havia dúvidas, ele tinha mesmo bom gosto. ele era, assim, uma espécie de bitola do que se deveria gostar em relação às coisas da música. era, pois, o oposto daquelas miúdas com autocolantes da bravo com o david gahan. é curioso que actualmente gostar do dave gahan já é cool, vá se lá saber porquê. até se ouve na radar, imagine-se!

recordo-me que o pio, lembrou-se de carregar uns 2 anos, talvez, mais tarde o provision dos scritti politti. reparem, não foi o songs to remember ou o cupid, foi mesmo o provison. e eu acho que esse acto deitou por terra todas as suas ambições em manter-se como rei espiritual ou platónico do bom gosto. pelo menos no meio daquelas almas parvas que se preocupavam com isso. ou seja, para as gentes "pensantes" daquele liceu, ele até poderia gostar de tudo o que vendesse menos de 5000 exemplares em portugal. nunca, mas nunca poderia gostar de coisas que tivessem sido disco de ouro.



eu que era uma puta vendida que me excitava de igual maneira com o the hanging garden ou com o disco band dos scotch, olhava para aquilo e imaginava que uma das caratcter´siticas das pessoas crescidas seria o facto de relativizarem todas estas questões, permitindo-nos podermos andar a ouvir o que nos desse na real gana mesmo que usássemos ténis sanjo em vez daqueles nike azuis com a onda laranja que custavam sete contos e oitocentos.

2 - consciente ou inconscientemente já utilizámos o advérbio «só» metido no meio de algumas frases como por exemplo: «o meu filho só começou a andar aos 12 meses»; «a minha filha só começou a ler aos 6(?) anos»; «...pois, só deixou de mijar na cama lá por volta dos 8 anos».

e eu disse inconscientemente porque acredito que não haja muita "maldade" no uso dessa palavra. mas há por aí - dêem uma vista de olhos em alguns dos blogs em que se falam sobre os filhos, por exemplo - uma parva competição tão enraizada que a sua utilização se torna ridícula.

confusos?

vejam comigo: as senhoras aborrecem-se quando ouvem o marido dizer "eu ajudo a minha mulher a passar a ferro", não é?

(é)

porque aquela frase já subentende que o "passar a ferro" é do departamento feminino e, portanto, é uma "ajuda" quando o marido se mete a fazer esse trabalho.

é certo que imbuídas por aquele espírito parvo das igualdade feminina/masculina, também ficam aborrecidas quando nos lembramos de ser meramente educados e gentis ao lhes abrimos a porta do carro ou seguramos a porta do elevador para entrarem, mas isso já são outros trezentos.

voltando a trás, aborrece-me tanto aquela colocaçãozinha do "só" nas frase sobre os putos que só me apetece dar-lhes com uma chinelada nos cornos.

ainda falam dos chineses e dos ingleses que gostam de jogar e apostar em tudo. os portugueses, mesmo que a feijões não lhes ficam a trás. competem com tudo e sobre tudo: o número de dentes, o dia em que deu os primeiros passos, a primeira vez em que escreveu «o povo está com o mfa», a primeira vez que observou que «ó mãe, a porteira do prédio do vasco, tem pinta de vaca, não tem?» ou a primeira vez que disse "ó pai, porque é que chamam águia lá ao milhafre do benfica?»

3 - o francisco camacho, além de ser um dos responsáveis por eu ter deixado de ler atentamente a gq - a filomena mónica está para a gp como a rebelo pinto está para a maxmen - faz parte daquelas pessoas que na passagem de adolescente para adulto, acomulou o ponto 1 e o ponto 2 deste post.

ele tem uma crónica mensal lá na referida gq onde fala sobre música. poderia ter escolhido muitas formas de falar sobre este tema mas escolheu precisamente a mais parvinha de todas. ou seja, decidiu enveredar por «vamos lá falar sobre músicas que as outras pessoas gostam e que eu não gosto, realçando o facto de eu ser muita bom por gostar das músicas que eu escolhi gostar enquanto que todas a restante população mundial é ignóbil por gostarem de lixo discográfico em quantidades industriais.»

eu já nem vou ao ponto de destacar a crónica em que ele desanca nas pessoas que gostam dos abba, vou-me calar quanto ao facto de ele ter malhado nos pobres il divo do simon cowell, mas achei realmente uma coisa parva - porque acumula a gabarolice parola com estupidez - a crónica em que decide demonstrar que ele é um ser superior porque nunca permitiu que os seus filhos decidissem que tipo de música se ouviria no seu carro.

(é assim mesmo, pá!)

ou seja, ele é que é bom e esperto porque na sua viatura nunca se ouviu o noddy, a hannah montana ou o bob o construtor. enquanto que os seus amigos que não puseram travão a esses hábitos são pessoas inferiores.

bom a coisa poderia ficar por aqui caso fosse apenas essa a ideia da crónica. acredito até que a ideia principal seja apontar com humor todas as dificuldades que temos em controlar os desejos das nossas crianças, uma vez que isso é verdade. o que não é verdade é o facto de ele ter piada, por isso refugio-me no facto do autor ter mesmo tentado demonstrar o que está patente nas suas crónicas sem qualquer outra mensagem humoristica subrepticiamente escondida.

(é verdade que posso não ter cabecinha para encontrar esse tom humorístico nas crónicas da gq. mas também nunca disse que a gq tem a medida do meu arcaboiço cultural. longe disso! sou um gajo que ainda gosta de ler o cascão e o chico bento, pessoal)

assim, o bom do camacho lembrou-se de apimentar a crónica com os resultados da sua boa e acertada acção em não permitir que os seus herdeiros ouvissem o que bem lhes desse na gana dentro do seu carro. a exemplo que já tinha sucedido com ele, que com apenas oito anos já ouvia coisas superiores como os beatles - que decidiu gravar em enormes bobinas apagando as coisas do charles mingus ou do gerry mulligan que o seu pai costumava escutar - também o seu petiz já ouve no seu ipod, bandas, decerto reveladoras do grau de superioridade em relação aos colegas da primária, como os arcade fire, o josh rouse ou os pixies.

(que bonitinho, viste?)

a cereja no topo do bolo sucedeu quando confrontou o filho em relação ao presente que os seus amigos deveriam dar à criança. assim, em vez dos tokio hotel ou outras coisas mais "morangos com açucarzadas" que o mercado fnaciano tem, a criança - tão bem educadinha, não é? - sentenciou: quero um disco dos beatles.

4 - pergunto (e concluo) eu, tem algum mal gostar dos beatles? credo! era a última coisa que eu poderia dizer. tem algum mal gostar dos arcade fire? dos tokio hotel? dos pixies?

não, não tem mal rigorosamente nenhum. o que tem mal é fazer crónicas retroagindo como se fosse um daqueles adolescentes parvos que gozavam

gozavam e gozam! ainda presentemente ouço pessoas pronunciarem frases como se fossem trofés cronológicos, como: eu com 12 anos já ouvia os discos dos king crimsom do meu pai!

com os colegas que gostavam dos wham em vez dos judas priest, usavam calças da ramirez & raul em vez das levi's ou viam filmes do spielberg em vez do bergman. mais a mais, denotando orgulho nas opções do seu rapaz.

e pergunto ainda outra coisa «e tem mal agir assim?». não, não tem mal nenhum. uma coisa é escrever sobre isto num blog parvo como este, outra coisa é escrever numa revista, não gratuíta, sendo ainda por cima pago para esse efeito.

e pronto, suponho que é bonito mantermos estas criancices parvas ao longo dos anos.

isto é tão ridículo como se eu me lembrasse de me orgulhar e encher o peito perante os coleguinhas da escola da minha filha, só porque ela, imagine-se, no meio dos seus 4 anos, sabe cantar o «as» do stevie wonder.

Stevie Wonder - As


(toma!)
(eat this!)

(vês como isto soa a ridículo?)

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