quinta-feira, janeiro 22, 2009

segurança

se a memória não me falha, os meus pais levaram-me à escola, quanto muito, aí umas cinco vezes.

e digo cinco porque já estou a dar aqui uma boa margem de erro. afinal andei na escola muitos mais anos do que devia e posso estar aqui a falhar uma ou outra vez. além disso estou aqui a colocar de parte, todas aquelas vezes em que o meu pai me fez o favor - há dias em que uma pessoa devia jogar no euromilhões - de me dar uma boleia. ora, toda a gente sabe que «dar uma boleia para a escola» não tem rigorosamente nada a ver com «levar-nos à escola».

por isso, eu recordo-me de ser acompanhado à escola no meu primeiro dia de aulas da primária, na escola 28-40.

dois, quatro, seis, oito, viv' á'scola vin tioito!
três, cinco, seis, sete viv'á nossa caminéte

e lembro-me muito bem do meu pai estar à porta da sala 5 - a que tinha o quadro com pautas de música - a conversar com a dona guilhermina, mãe do meu zezinho, também no primeiro dia de aulas da preparatória, lá na cesário verde.

tirando isso, não estou a ver mais ocasião nenhuma.

bem sei que os tempos eram outros, bem sei que na primária eu vivia a uns bons cento e setenta e quatro metros

medi com o googal arse, juro!

da escola, bem sei que àquela hora havia uma autêntica procissão de pais, alunos, professores, o chalana do casal do pinto,

foda-se, o chalana do casal do pinto merece um cabrão dum post, não merece?

senhoras contínuas,

contínuas, por exemplo, tinha lá uma tia e uma prima

etc. havia gente suficiente para nos amparar no caminho da escola.

por outro lado, é bom não esquecer que: parte da minha primária foi vivida em pleno prec, andei na escola na parte da manhã e toda a gente sabe que a alimentação matinal dos comunistas é constituída à base de criancinhas. por isso a coisa não era propriamente e totalmente segura.

adiante.

esta coisa da segurança ter aumentado ou diminuído nestes últimos trinta anos tem muito que se lhe diga. a minha geração escolar lá do bairro, por exemplo, sofreu as agruras da localização geográfica do parque escolar. a primária estava em plena quinta dos embrechados, um bairro de barracas onde vivia lá de tudo: gente boa, gente má e, adivinhem, sim, isso mesmo, ciganos. a preparatória, estava ali mesmo ao lado da curraleira, onde vivia lá de tudo também:
gente boa, gente má e, adivinhem, sim, isso mesmo, ciganos. por essa razão, meus caros, o pessoal da minha criação teve a felicidade de ter sido educada com pancada e bagaço por parte dos pais e pancada e gamanço por parte dos nosso queridos ciganos que, deus me livre de dizer mal deles se não vem logo o senhor louçã e as irmãs da caridade e mais não sei quem falar na desintegração social e na problemática da realidades sociais dos excluídos e das minorias e mais não sei o quê e afinal estou aqui a pensar e até a casa dos meus pais foi visitada por eles e no fundo foram uns bacanos porque pronto levaram o ouro todo que por lá havia - não era muito, ok - e mais um dinheiro que os meus pais que eram uns malandros duns burgueses que se lembraram de juntar imagine-se a trabalhar - muito parolos estes pais - mas dizia eu que os ciganos que nos assaltaram a casa foram uns porreiraços porque também nos levaram a máquina fotográfica mas tiveram a decência de nos deixar a tampa da lente e é curioso que uns dez anos mais tarde voltaram a roubar-nos o material fotográfico que entretanto tínhamos comprado e aí sim foram competentes porque levaram a máquina e as lentes e as vírgulas deste parágrafo e não se esqueceram da tampa das lentes.... adoro ciganos, no fundo!... venham-me agora falar que nestes 30 ou 40 anos a insegurança aumentou que eu vos fodo!

a minha filha ontem sentenciou à mesa:

- amanhã vou sozinha para a escola.

e a forma como ela disse aquilo arrastava uma certa assertividade no acto. eu tenho para mim que o tom que ela deu à frase transformou-a num «deixem-se de paneleirices os dois que eu amanhã vou MESMO sozinha para a escola».

- mas, ó filha, está a chover e tal e olha que a escola ainda é um bocado longe, pá.
- não quero saber. eu já sou uma audulta e por isso vou sozinha para a escola.
- é pá...

este é pá foi assim naquele tom calmo e paciente de pai instruído por anos de leitura da revista pais & filhos e artigos de psicologia infantil desses mestres que as mães gostam de citar.

... mas, ó filha, e a chuva, pá? olha, fazemos assim, eu dou-te boleia quando for para o trabalho, abro a porta do carro bem perto da passadeira dos peões e depois tu lá vais.
- não
- então?
- eu é que abro a porta do carro sozinha e tiro o cinto da cadeirinha também sozinha. eu já sou uma audulta.
- seja.

hoje, pelo caminho, ia dizendo «vá deixa-me aqui.». e mais à frente, «pronto, já andaste muito, eu já sou uma audulta, deixa-me então aquiiiiiii»

e já mesmo pertinho da escola:
- mas ó filha e como é que tu consegues tocar à campainha?
- espero que chegue alguém e peço para tocar.

deixei-a a uns 30 metros.
saiu sozinha e disse «pronto, adeus.»

- oi, oi, oi, oi, oi, alto lá com o charuto. então e o beijo ao pai? então e o chapéu de chuva?
- ...
- vá, olha bem para os carros na passadeira, pá.
- eu sei, olha eu a olhar.
- mas tu nem consegues fechar bem o guarda chuva, filha...
- eu peço a alguém.
- mas ó filha...

não conseguiu fechar. pediu a alguém. pediu para tocar à campainha.

entrou!

ainda não tem 5 anos.

daqui a nada há-de estar ao lado dum gajo ou duma gaja qualquer - sim, que eu acredito que quando chegar à altura dela, até os vasos de plástico poderão casar. já com os vasos de barro tenho as minhas dúvidas. - em frente a um notário lá no cartório e eu só espero que, pronto, espero que eu e a mãe sejamos convidados.

5 comentários:

sofia disse...

Pois, Eu apenas informei os meus pais que ia casar (dai a 15 dias), e não convidei ninguem. Por isso desilude-te de um convite, porque isso já não se vai usar no tempo em que os vasos de plastico puderem casar.

S.A. disse...

ahahhahahAHHAHAHAHHAA!

Anónimo disse...

Coisinha mais bem escrita, pá. Tu um dia encontras uma história que valha a pena contar e que dê para encher um livro. E aí, junto a minha à voz do Anónimo do Livro.

E deixa-te de merdas que «não sei o quê», e que «não tenho isto ou aquilo», ou que «já há para aí muito livro». Sim, há. Escrito assim? Sem vírgulas roubadas por ciganos? Duvide-o-dó.

Pedro Oliveira disse...

"foda-se, o chalana do casal do pinto merece um cabrão dum post, não merece?"

E o que é que estás á espera? e espero que me clarifiques de uma vez por todas em que frequência é q o gajo tava? AM ou FM?

Bic Laranja disse...

O Chalana do Casal do Pinto era aquele coxo com olhoes à Medeiros Ferreira?
Cumpts.