acho piada essa tua fixação pelo teu passado.
bom, estou, claro, a exagerar. fixação pelo passado tem o pai. um dia, quando leres este blog - não leias! sério, filha. - hás-de notar que o teu pai gosta de recordar as coisas antigas. repararás também que escrevo cheio de palavrões, mas isso são outros trezentos.
mas gosto desse teu gosto em revisitar as tuas fotos: de como me pedes para te mostrar aquela onde ainda tens a mola de plástico presa ao cordão umbilical e que, durante uma semana, andei a desinfectar - coisa que me fazia ter uns arrepios ali naquela zona que fica entre a braguilha e o bolso traseiro das calças, assim como quem faz o caminho pelo meio das pernas, entendes? -; de como me pedes para te mostrar aquela outra em que está a avó ana a dar-te banho; ou aquela em que tens a coroa do dia de reis, sabes? que até tens aquele casaquinho todo fashion que a tia te deu...
hoje até quiseste levar o teu álbum pequenino para a escola. tinha lá aquela foto onde estás a dormir ao lado do afonso. gostei da justificação que deste para o facto de achares essa foto tão importante «é para mostrar à sofia que eu quando era bebé já sabia dormir.» (que maravilha!)
ahh e adoro o ar de caso que assumes quando estás a ver vídeos onde sejas protagonista. ficas meio envergonhada, não é? tu não tens noção, mas nunca imaginarás os benefícios que a fotografia digital e esta gaita dos dvd irão fazer à tua memória. praticamente, poderás ter todos os momentos da tua vida registados, sabias?
às vezes gostava de ter um baby-blog daqueles a sério. mesmo com florzinhas e estrelinhas que piscam quando passamos com o rato sobre os textos. juro! por que gostava mesmo de anotar algumas coisas inusitadas e que são a tua identidade. juro que não estou a gozar. tenho a certeza que 90% das crianças cujas mães fizeram baby-blogs, irão ficar para sempre agradecidas pelo facto de ter havido alguém que foi registando essas coisinhas, mesmo que tudo tenha sido colocado à mostra de quem quisesse ler. os 10% que não ficarão agradecidas são aquelas criancinhas que ao crescer, transformar-se-ão numas valentes cavalgaduras.
por outro lado, sinto que as coisas que mais gosto em ti não são registáveis. não falo que tenham de ser reservadas. não, nada disso. digo isto porque as coisas que mais gosto em ti são as coisas ditas "normais". são aquelas que te fazem ser uma criança igual às outras. as que te distinguem das restantes crianças toda a gente conta e acabam por passar de boca em boca. acabarás por saber, mais tarde, essas tuas traquinices, da mesma forma que eu também sei: a história que relata o dia em que o teu avô diniz despejou dois esguichos de mostarda sobre a minha língua; o dia em que o pai arreou com uma chave de madeira na pinha da tia cila, num dia de procissão em que estávamos vestidos de são pedro e santa teresinha... e por aí fora.
essas coisas são as que ficam para memória futura.
eu gostava era de conseguir registar as coisas mais simples: os teus esforços para comeres com faca e garfo; a dedicação e a forma séria com que brincas com as teus bonecas e as transformas em filhas; aquela coisa de seres uma princesa em casa das outras pessoas e uma rebelde cá em casa - obviamente, mea culpa -; o mistério que é o facto de comeres tomate , alarvamente - sem exagero -, em casa da avó e de nem se quer lhe tocares cá em casa; os carinhos que exiges ao pai ou à mãe quando apagamos a tua luz; e os livros, pá! gosto tanto que sejas tão ligada nas histórias que nos obrigas a contar antes de adormeceres; a ratice que te faz começar a marimbar para a história que te estamos a contar quando ela chega bem perto do fim e começas logo a atalhar para a história seguinte «e nesta aqui, pai? conta-me lá o que é que a cabrinha fez?», só para poderes adiar o momento em que te "desligamos o quadro".
gostava de me recordar de tanta coisa, pá: coisas que não ficam em fotografias e que os videos não lhe darão justiça, sabes?
o teu cheiro a catinga e a ciganos quando te recolho na escola ao final de tarde ou aquela linguagem tão engraçada, que inventas quando desatas a cantar as canções do mama mia. pareces a tia cila a cantar quando não sabe as letras - nunca sabe!. ficas tão gira.
estou agora a lembrar-me disso e estou cheio de pena. caramba, sabes, eu recordo-me perfeitamente de ter partido a perna quando ainda nem dois anos tinha, mas gostava de me lembrar melhor, por exemplo, do deslumbramento que acontecia quando, por alturas do natal, o avô diniz me ia mostrar as montras do grandela, repletas de enormes e sofisticadas construções de lego.
não que esteja esquecido por completo. nada disso. mas são já fracas memórias na minha alma, com pouco pormenor e muito desfocadas.
adiante.
tens uma colega de sala que tem problemas mentais graves. há dias, ficou a olhar para mim, sozinha, no corredor, enquanto me dizia adeus. e eu ali, também, a responder àqueles gestos, sem saber muito bem se aquela resposta lhe estava a fazer algum efeito ou não. na dúvida fui sorrindo. ao mesmo tempo fui acelerando os pensamentos com aquela coisa do «e queixas-te ainda tu das dificuldades que a tua filha te dá e mais não sei o quê...».
fiquei à rasca com aquela cena e dois segundos depois encontro a tua educadora. queria-me contar umas coisas boas sobre ti. estava perturbado demais para ter feito um uso positivo às palavras que ela me ia dizendo. só pensava no raio da tua colega, coitada. e pensava nos pais da tua colega.
perdoa-me mas, como sabes, não tenho jeito para as coisas elogiosas que dizem sobre ti. elogio, elogio é olhar para ti e saber que não ficas com aquele ar abesbílico que a tua colega assome, ao dizer-me adeus quando me afasto da tua salinha. elogio é ir-me embora ainda com o barulho dos teus guinchos de alegria que provinham das brincadeiras com as tuas amiguinhas. isso é que é um elogio.
sabes, um dia conto-te o que a tua educadora me disse sobre ti. revejo-me em ti na forma como te reservas e não nos contas nada das coisas boas que acontecem contigo ou dos teus sucessos escolares. se calhar, vai na volta, fico mais orgulhoso porque és: uma peste, dura de roer, que me obrigas a levantar-te a voz diariamente, que não sejas medricas com os animais, que sejas uma miúda com muito, muito, ginete e que já saibas ir à chinchada à fruta.
gostava de não perder a memória sobre ti. a memória deste tempo em que andas a betumar as tuas fundações.
bom, estou, claro, a exagerar. fixação pelo passado tem o pai. um dia, quando leres este blog - não leias! sério, filha. - hás-de notar que o teu pai gosta de recordar as coisas antigas. repararás também que escrevo cheio de palavrões, mas isso são outros trezentos.
mas gosto desse teu gosto em revisitar as tuas fotos: de como me pedes para te mostrar aquela onde ainda tens a mola de plástico presa ao cordão umbilical e que, durante uma semana, andei a desinfectar - coisa que me fazia ter uns arrepios ali naquela zona que fica entre a braguilha e o bolso traseiro das calças, assim como quem faz o caminho pelo meio das pernas, entendes? -; de como me pedes para te mostrar aquela outra em que está a avó ana a dar-te banho; ou aquela em que tens a coroa do dia de reis, sabes? que até tens aquele casaquinho todo fashion que a tia te deu...
hoje até quiseste levar o teu álbum pequenino para a escola. tinha lá aquela foto onde estás a dormir ao lado do afonso. gostei da justificação que deste para o facto de achares essa foto tão importante «é para mostrar à sofia que eu quando era bebé já sabia dormir.» (que maravilha!)
ahh e adoro o ar de caso que assumes quando estás a ver vídeos onde sejas protagonista. ficas meio envergonhada, não é? tu não tens noção, mas nunca imaginarás os benefícios que a fotografia digital e esta gaita dos dvd irão fazer à tua memória. praticamente, poderás ter todos os momentos da tua vida registados, sabias?
às vezes gostava de ter um baby-blog daqueles a sério. mesmo com florzinhas e estrelinhas que piscam quando passamos com o rato sobre os textos. juro! por que gostava mesmo de anotar algumas coisas inusitadas e que são a tua identidade. juro que não estou a gozar. tenho a certeza que 90% das crianças cujas mães fizeram baby-blogs, irão ficar para sempre agradecidas pelo facto de ter havido alguém que foi registando essas coisinhas, mesmo que tudo tenha sido colocado à mostra de quem quisesse ler. os 10% que não ficarão agradecidas são aquelas criancinhas que ao crescer, transformar-se-ão numas valentes cavalgaduras.
por outro lado, sinto que as coisas que mais gosto em ti não são registáveis. não falo que tenham de ser reservadas. não, nada disso. digo isto porque as coisas que mais gosto em ti são as coisas ditas "normais". são aquelas que te fazem ser uma criança igual às outras. as que te distinguem das restantes crianças toda a gente conta e acabam por passar de boca em boca. acabarás por saber, mais tarde, essas tuas traquinices, da mesma forma que eu também sei: a história que relata o dia em que o teu avô diniz despejou dois esguichos de mostarda sobre a minha língua; o dia em que o pai arreou com uma chave de madeira na pinha da tia cila, num dia de procissão em que estávamos vestidos de são pedro e santa teresinha... e por aí fora.
essas coisas são as que ficam para memória futura.
eu gostava era de conseguir registar as coisas mais simples: os teus esforços para comeres com faca e garfo; a dedicação e a forma séria com que brincas com as teus bonecas e as transformas em filhas; aquela coisa de seres uma princesa em casa das outras pessoas e uma rebelde cá em casa - obviamente, mea culpa -; o mistério que é o facto de comeres tomate , alarvamente - sem exagero -, em casa da avó e de nem se quer lhe tocares cá em casa; os carinhos que exiges ao pai ou à mãe quando apagamos a tua luz; e os livros, pá! gosto tanto que sejas tão ligada nas histórias que nos obrigas a contar antes de adormeceres; a ratice que te faz começar a marimbar para a história que te estamos a contar quando ela chega bem perto do fim e começas logo a atalhar para a história seguinte «e nesta aqui, pai? conta-me lá o que é que a cabrinha fez?», só para poderes adiar o momento em que te "desligamos o quadro".
gostava de me recordar de tanta coisa, pá: coisas que não ficam em fotografias e que os videos não lhe darão justiça, sabes?
o teu cheiro a catinga e a ciganos quando te recolho na escola ao final de tarde ou aquela linguagem tão engraçada, que inventas quando desatas a cantar as canções do mama mia. pareces a tia cila a cantar quando não sabe as letras - nunca sabe!. ficas tão gira.
estou agora a lembrar-me disso e estou cheio de pena. caramba, sabes, eu recordo-me perfeitamente de ter partido a perna quando ainda nem dois anos tinha, mas gostava de me lembrar melhor, por exemplo, do deslumbramento que acontecia quando, por alturas do natal, o avô diniz me ia mostrar as montras do grandela, repletas de enormes e sofisticadas construções de lego.
não que esteja esquecido por completo. nada disso. mas são já fracas memórias na minha alma, com pouco pormenor e muito desfocadas.
adiante.
tens uma colega de sala que tem problemas mentais graves. há dias, ficou a olhar para mim, sozinha, no corredor, enquanto me dizia adeus. e eu ali, também, a responder àqueles gestos, sem saber muito bem se aquela resposta lhe estava a fazer algum efeito ou não. na dúvida fui sorrindo. ao mesmo tempo fui acelerando os pensamentos com aquela coisa do «e queixas-te ainda tu das dificuldades que a tua filha te dá e mais não sei o quê...».
fiquei à rasca com aquela cena e dois segundos depois encontro a tua educadora. queria-me contar umas coisas boas sobre ti. estava perturbado demais para ter feito um uso positivo às palavras que ela me ia dizendo. só pensava no raio da tua colega, coitada. e pensava nos pais da tua colega.
perdoa-me mas, como sabes, não tenho jeito para as coisas elogiosas que dizem sobre ti. elogio, elogio é olhar para ti e saber que não ficas com aquele ar abesbílico que a tua colega assome, ao dizer-me adeus quando me afasto da tua salinha. elogio é ir-me embora ainda com o barulho dos teus guinchos de alegria que provinham das brincadeiras com as tuas amiguinhas. isso é que é um elogio.
sabes, um dia conto-te o que a tua educadora me disse sobre ti. revejo-me em ti na forma como te reservas e não nos contas nada das coisas boas que acontecem contigo ou dos teus sucessos escolares. se calhar, vai na volta, fico mais orgulhoso porque és: uma peste, dura de roer, que me obrigas a levantar-te a voz diariamente, que não sejas medricas com os animais, que sejas uma miúda com muito, muito, ginete e que já saibas ir à chinchada à fruta.
gostava de não perder a memória sobre ti. a memória deste tempo em que andas a betumar as tuas fundações.
6 comentários:
Há coisas mesmo boas de se ler! Com os olhos embaciados, mas mesmo assim, mesmo boas!
Caramba, às vezes ainda te superas.
Muito, Muito bom!
Bravo Pedro!
Continuas a ser o "menino"sensível que conheci, mas, agora, com uma desvendada veia literária , humanista e poética, que, na altura, pelo menos para mim,não era evidente!
Bela declaração de Amor à tua Menina!
Abraço amigo.
És grande, amigo!
(e olha que, ainda que escassos, os babyblogs de pais que conhecia metiam os de muitas mães a um canto)
...nunca esquecerei, o primeiro momento que eu e ela estivemos pele com pele, ela acalmou o choro e eu senti o seu cheiro, os bebés cheiram a caramelo...
Ps.: que bem se escreve por aqui, parabéns ao autor do blogue
porra Jaime, com esta fizeste-me chorar...
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