quarta-feira, janeiro 28, 2009

o meu bairro

a minha terra chama-se picheleira.

o nome é habitualmente motivo de gozo porque as pessoas não podem ver, ouvir ou ler uma qualquer palavra que tenha uma qualquer relação com coisas sexuais - nem que seja no que respeita à sonoridade das palavras - que desatam logo com um nervoso miudinho, que as leva a expelir risinhos nervosos, fazendo-as ficar parecidas com um bando de hienas.

sucede assim com a minha querida picheleira, com a buraca, com a própria picha, com a coina, com a venda da gaita, com o posto sanitário do rego, com essas coisas, não é?

algumas pessoas - parvas e provincianas - têm pudor em referir-se à sua origem como sendo da picheleira. ou porque têm vergonha do nome, ou porque, bem sei, os interlocutores ficam logo com aquele ar de "ui, da picheleira? isso é barra pesada, não é?", ou porque no tempo dos meus pais os táxis nem à picheleira iam, ou porque a telepizza não entregava na picheleira, ou porque se sentem de algum modo inibidos porque não sabem sequer o significado duma origem. é a vida.

a pior coisa que aconteceu aos habitantes do bairro

nunca me considerei "picheleirense". quanto muito era vitoriano, como um dia expliquei aqui.

foi terem um dia vindo uns caterpillers amarelos abrir uns buracos lá para os lados dos prédios da mira fernandes e da rua larga num sítio que tinha uma serração, para servirem de caboucos a uns prédios que o presidente do benfica iria para lá construir. ora sucede que para essas bandas havia lá uma quinta que tinha umas olaias e, imaginem, chamava-se quinta das olaias. esses prédios cresceram, a urbanização ficou mais desenvolvida, fizeram um centro comercial todo catita e alguns parvos habitantes do meu bairro desataram a dizer que moravam nas olaias em vez de morarem na picheleira.

conheciam uma gaja e "ah e tal, eu cá moro nas olaias." para dar aquela pala, não é?

e depois, com medo do nome ou coisa que o valha, tudo passou a ser olaias. alguns autocarros passaram a dizer olaias, as indicações aos automobilistas no alcatrão passaram a dizer olaias e até construiu-se uma escola, bem longe da antiga quinta das olaias e chamaram-na de, claro, escola das olaias.

depois há as variações. recordo-me de um gajo que andava a tocar aí em bares e que se a memória não me falha, é actor de novelas, que um dia me disse no atéquenfim:

- eu moro nas olaias sul.
- sul? - perguntei?
- sim.
- em que rua?
- na faria de vasconcelos.
- mas assim sendo, estás mais perto do casal do pinto que das olaias. quanto muito, caso não gostes do termo, dizes que moras no casal do pinto norte.

reparei que não percebeu.

ontem, olhei para a tv e no telejornal vi a minha escola da primária. levantei o som do aparelho e estavam a explicar que apanharam um pedófilo, carteiro, que mora em frente à escola e que a troco de uns euros, convocava a garotada para lá ir a casa mostrar uns filmes pornográficos e servir como modelos nuns outros filmes também. ora segundo a notícia, a coisa passou-se nas olaias.

por muito que isto não me orgulhe, tenho de ser vertical para o bem e para o mal. por isso, a coisa não aconteceu nas olaias. daquele local às olaias, é quase tanto como, sei lá, do campo pequeno ao saldanha, ou do saldanha ao marquês de pombal. para mim, infelizmente, aconteceram na picheleira. ou, quanto muito, aconteceram na quinta dos embrechados.

e lá estão vocês: ihhh que raio de nomes. picheleira, embrechados....

pois, mas se for assim a linha do pensamento vejam lá que nome gostariam de ter ostentado na vossa morada, embrechados ou lapa?

lapa


s. f.,
grande pedra ou laje que, ressaindo de um rochedo, forma um abrigo;
gruta;
cavidade;

Zool.,
molusco gasterópode univalve que adere aos rochedos;
pedra solta;
calhau;

pop.,
bofetada.



embrechado

do Lat. * imbliculatu < imbricula


s. m.,
ornato de conchas incrustadas nas paredes das cascatas e jardins;

fam.,
pessoa considerada um empecilho;
visita ou hóspede importuno;
(no pl. ) embutidos.



uma coisa gira, pertantes: ah e tal, eu moro mesmo ali ao lado da tia cinha, moro no bairo da lapa, perdão, da gruta ou da cavidade. ou mesmo da bofetada.

que bonito viram?

tenho saudades do raio de frase que durante anos foi uma espécie de grito de ipiranga, perante estas merdíces destes disfarces nas origens: a picheleira é linda!

lá está, a picheleira!

7 comentários:

Gonçalves disse...

Cambada de cagões, normalmente os mais pindéricos.
A Picheleira é nossa!

Bic Laranja disse...

Isso das Olaias sul passou-se comigo e com uma - como hei-de dizer... - cagona.
A escola das Olaias está lugar duma antiga quinta do Vilaça. Ainda lhe conheci a casa em ruínas, no exacto lugar onde do portão da escola.
Abraço

Anónimo disse...

Boa tarde
Se são da Picheleira voçes sabiamm que o sr.Presidente da Junta quer nos fechar a unica entrada e saída da Picheleira que existe desde que o Bairro existe!! Desde o antigo Bairro Ecónomico da Picheleira..
Estamos na luta novamente como tivemos à 5 anos atraz,se quem se juntar a nós,existe uma baixo assinado nos cafés da nossa Picheira para esta mesma não ser fechada.. Bem hajam
Ana paula_

jose daniel disse...

sou da quinta dos embrechados e tenho muito orgulho ,que saudades da minha infancia nessa quinta , onde nao eram precisas fechaduras nas portas qualquer pessoa bastava pucher o cordel para que elaq se abrise , os santos populares onde putos e mais velhos dançavamos de roda a volta da fogueira ,nao havia maldade onde toda a gente se respeitava , os putos eramos alguns , eu daniel o marilia o noe ,pitinha o titas o dado o moca o carlitos o matateu o nho ,ze luis cabrita um pouco mais velho assim como o zareca etc,viva a picheleira oi fana , ze julio , lampam tintin tateu (que deues o tenha em descanço)tantos outros tanta gente boa que tantas saudades me deixam ,

jose daniel disse...

viva a escola nº 28 e nao escola eng duarte pacheco para mim sera sempre 28

Anónimo disse...

Bom texto. Por acaso sempre pensei que as Olaias ficavam de um lado e a Picheleira do outro. Andei por ai quando tinha 15 anitos, já lá vão 30. Coisa de namoraditas para essas paragens.

Anónimo disse...

hahahha viva a picheleira!