recordo-me como se fosse hoje: eu estava a passar férias na terra da minha mãe e a minha vizinha sara estava numa coisa chamada "colónia de férias". fui visitá-la lá à tal colónia da upaje, um antigo hospital para tuberculosos. ela estava a preparar um turno que iria começar dali a dias. estava rodeada por papéis cenário, tintas, canas, coisas dessas.
adorei aquele ambiente, adorei aquele antigo hospital, adorei a camaradagem entre os monitores. eu tinha de fazer parte daquilo.
durante o ano que se seguiu tentei participar, sem sucesso - e sem cheta -, num curso de monitores que fosse ministrado pela associação. mais tarde vi oportunidade de trabalhar num atl ao mesmo tempo que decorriam os turnos das colónia de férias. inscrevi-me, fui aceite e fui então saber em pormenor do que se tratava. não era bem estar com as crianças - o meu supremo objectivo - mas, juntamente com mais atl's (era o nome escolhido para designar as pessoas que iriam trabalhar ao abrigo dos acordos das actividades de tempos livres), fazer pequenos consertos e arrumações no velho edifício. fiquei desde logo alcunhado de magnífico. não de uma forma elogiosa, mas porque teriam de ser autênticos "magníficos" os voluntários que fariam o trabalho de sapa. tranquilo, mergulhei de cabeça na coisa. eu tinha era de estar lá dentro.
o encontro ficou marcado para as 7 da matina, ali na praça de espanha, em frente ao antigo teatro aberto.
antigamente marcavam-se muitos encontros em frente ao teatro aberto
minutos depois surgiu mais pessoal, depois uns pais com umas crianças e minutos depois, a camionete estava já a rolar em direcção a vila nova do ceira. estava no meio de 50 crianças e de cerca de uma dezena de monitores. estava ali, estava feliz, estávamos todos no mesmo barco.
nas primeiras noites ainda dormi em minha casa. duas ou três dormidas depois, não resisti ao convite e passei a dormir numa camarata com o resto da miudagem. aos poucos passei a acumular os tais trabalhos de magnífico - nem queiram saber: muitos toalheiros, crivos para duche, tomadas eléctricas eu montei, cadeiras partidas consertei, salas cheias de entulho eu limpei. porra! - com o trabalho de monitor de apoio - assim uma espécie de faz tudo, desde transportar comida para os acampamentos, até montar cenários para os serões, passando pelas fogueiras para os fogos de campo.
dias mais tarde ouvi a "ordem" que mais esperava:
- olha, a luísa está-se a passar com os miúdos. são crianças de 6/7 anos. aquilo está complicado. tu és menino para ficar a monitorizar o grupo dela?
- claro que sou!
e fui. e nunca me senti tão feliz a realizar um trabalho remunerado.
esse turno terminou. eu voltei para lisboa mas dias depois estava de volta. estava a acontecer outro turno. lá chegado avisei a directora da colónia, a lena, acho eu: estou aqui na terra em casa dos meus pais, quero vir para aqui ajudar, precisas de mim?
ela precisava e eu fiquei.
no final desse turno nova coisa boa. a directora (mizé?) do terceiro turno que por lá estava a preparar as coisas, veio ter comigo e disse-me:
- magnífico, estou à nora. tenho um monitor em falta para o terceiro turno. não consigo arranjar nada. tu és gajo para ficar com o grupo dos mais novos?
- se é esse o teu problema, posso então anunciar-te que ele acabou neste instante.
e eu nunca conseguirei descrever aqui, tudo o que de bom aquela colónia fez à minha vida. se eu gosto de crianças duma forma desmesurada, devo-o àqueles dias. se eu me pelo por um cumbíbio com o pessoal, fui seguramente acicatado naqueles tempos de monitor.
os anos passaram, eu continuei a visitar a colónia. era balsâmico estar com aquele pessoal. nunca mais fui monitor, mas fui magnífico para o resto da vida:
- ó pedro, ajudas a malta a montar a aparelhagem aqui para a festa do asterix?
- ó pedro, queres vir cá logo à noite para ajudar no fogo de campo?
- ó pedro, amanhã vamos ter um jogo de pista com umas canoas, és cabrão suficiente para te recusares a ajudar a malta?
- ó pedro estás cá de férias? olha então caguei para as tuas férias. hoje dormes cá porque tenho uma monitora doente. ficas com o grupo dela dois dias.
...
nunca fui escuteiro. quem foi sabe que quando se o é, é-se para toda a vida. eu também sinto o mesmo. quando se é monitor de colónia de férias uma vez, é-se monitor para o resto da vida. é isso que eu sinto.
porque há coisas que ficam entranhadas na pele e não saem mais: as canções que cantávamos, as cervejas que bebíamos, as miúdas que beijámos, os amigos que ficaram para a vida, as receitas de bailey's que aprendemos a fazer.... bolas tanta, tanta coisa.
se eu tivesse de escolher algo que tivesse mudado radicalmente a minha vida, não pensaria duas vezes, nem hesitaria. escolheria seguramente a colónia de férias. o nascimento da minha filha não mudou a minha vida, eu já me sentia "pai", já me sentia chamado a ser "pai" há muitos anos. desde o momento em que fiz a colónia de férias.
a tal manhã em que estive pontualmente junto ao teatro aberto lá na praça de espanha, aconteceu no dia 1 de julho de 1987. eu usava meias brancas e tinha óculos escuros à elvis costello.
faz amanhã 20 anos.
adorei aquele ambiente, adorei aquele antigo hospital, adorei a camaradagem entre os monitores. eu tinha de fazer parte daquilo.
durante o ano que se seguiu tentei participar, sem sucesso - e sem cheta -, num curso de monitores que fosse ministrado pela associação. mais tarde vi oportunidade de trabalhar num atl ao mesmo tempo que decorriam os turnos das colónia de férias. inscrevi-me, fui aceite e fui então saber em pormenor do que se tratava. não era bem estar com as crianças - o meu supremo objectivo - mas, juntamente com mais atl's (era o nome escolhido para designar as pessoas que iriam trabalhar ao abrigo dos acordos das actividades de tempos livres), fazer pequenos consertos e arrumações no velho edifício. fiquei desde logo alcunhado de magnífico. não de uma forma elogiosa, mas porque teriam de ser autênticos "magníficos" os voluntários que fariam o trabalho de sapa. tranquilo, mergulhei de cabeça na coisa. eu tinha era de estar lá dentro.
o encontro ficou marcado para as 7 da matina, ali na praça de espanha, em frente ao antigo teatro aberto.
antigamente marcavam-se muitos encontros em frente ao teatro aberto
minutos depois surgiu mais pessoal, depois uns pais com umas crianças e minutos depois, a camionete estava já a rolar em direcção a vila nova do ceira. estava no meio de 50 crianças e de cerca de uma dezena de monitores. estava ali, estava feliz, estávamos todos no mesmo barco.
nas primeiras noites ainda dormi em minha casa. duas ou três dormidas depois, não resisti ao convite e passei a dormir numa camarata com o resto da miudagem. aos poucos passei a acumular os tais trabalhos de magnífico - nem queiram saber: muitos toalheiros, crivos para duche, tomadas eléctricas eu montei, cadeiras partidas consertei, salas cheias de entulho eu limpei. porra! - com o trabalho de monitor de apoio - assim uma espécie de faz tudo, desde transportar comida para os acampamentos, até montar cenários para os serões, passando pelas fogueiras para os fogos de campo.
dias mais tarde ouvi a "ordem" que mais esperava:
- olha, a luísa está-se a passar com os miúdos. são crianças de 6/7 anos. aquilo está complicado. tu és menino para ficar a monitorizar o grupo dela?
- claro que sou!
e fui. e nunca me senti tão feliz a realizar um trabalho remunerado.
esse turno terminou. eu voltei para lisboa mas dias depois estava de volta. estava a acontecer outro turno. lá chegado avisei a directora da colónia, a lena, acho eu: estou aqui na terra em casa dos meus pais, quero vir para aqui ajudar, precisas de mim?
ela precisava e eu fiquei.
no final desse turno nova coisa boa. a directora (mizé?) do terceiro turno que por lá estava a preparar as coisas, veio ter comigo e disse-me:
- magnífico, estou à nora. tenho um monitor em falta para o terceiro turno. não consigo arranjar nada. tu és gajo para ficar com o grupo dos mais novos?
- se é esse o teu problema, posso então anunciar-te que ele acabou neste instante.
e eu nunca conseguirei descrever aqui, tudo o que de bom aquela colónia fez à minha vida. se eu gosto de crianças duma forma desmesurada, devo-o àqueles dias. se eu me pelo por um cumbíbio com o pessoal, fui seguramente acicatado naqueles tempos de monitor.
os anos passaram, eu continuei a visitar a colónia. era balsâmico estar com aquele pessoal. nunca mais fui monitor, mas fui magnífico para o resto da vida:
- ó pedro, ajudas a malta a montar a aparelhagem aqui para a festa do asterix?
- ó pedro, queres vir cá logo à noite para ajudar no fogo de campo?
- ó pedro, amanhã vamos ter um jogo de pista com umas canoas, és cabrão suficiente para te recusares a ajudar a malta?
- ó pedro estás cá de férias? olha então caguei para as tuas férias. hoje dormes cá porque tenho uma monitora doente. ficas com o grupo dela dois dias.
...
nunca fui escuteiro. quem foi sabe que quando se o é, é-se para toda a vida. eu também sinto o mesmo. quando se é monitor de colónia de férias uma vez, é-se monitor para o resto da vida. é isso que eu sinto.
porque há coisas que ficam entranhadas na pele e não saem mais: as canções que cantávamos, as cervejas que bebíamos, as miúdas que beijámos, os amigos que ficaram para a vida, as receitas de bailey's que aprendemos a fazer.... bolas tanta, tanta coisa.
se eu tivesse de escolher algo que tivesse mudado radicalmente a minha vida, não pensaria duas vezes, nem hesitaria. escolheria seguramente a colónia de férias. o nascimento da minha filha não mudou a minha vida, eu já me sentia "pai", já me sentia chamado a ser "pai" há muitos anos. desde o momento em que fiz a colónia de férias.
a tal manhã em que estive pontualmente junto ao teatro aberto lá na praça de espanha, aconteceu no dia 1 de julho de 1987. eu usava meias brancas e tinha óculos escuros à elvis costello.
faz amanhã 20 anos.
2 comentários:
Magnífico!
Eu estive em Ceira 93/94/95
Tenho 28 anos agora... :)
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