domingo, fevereiro 14, 2010

ventarola

a questão não é nova para mim e por isso não é a primeira vez que penso no assunto - sim, também uso os miolos. raramente, é certo -. cada vez mais encontro pontos de desilusão nesta coisa de ser crescido.

tenho verificado que se há coisa que se vai perdendo com a idade é a capacidade de se encontrar motivos para nos ventarolarmos. e o que é isto? bom, todos - espero - conhecem a expressão «ganda ventarola!», não é? ora, ventarolar é isso mesmo, é a capacidade (possibilidade) de nos espantarmos com alguma pessoa ou situação.

antigamente era simples, éramos mais miúdos e as ventarolas pareciam estar ali ao virar da esquina: se o filipovic morava perto de nós, isso era uma ganda ventarola; se o pai do pedro lhe comprou um relógio digital (sem ponteiros, imagine-se! e em 1982.) que trazia um joguinho que consistia em apanhar o maior número possível de cocos que caíam do coqueiro, isso era uma ganda ventarola; se a teresa p. nos cravava um cigarro e retribuía com um beijinho, isso era uma ganda ventarola; se o mário, amigo dos meus pais tinha umas 24 cadernetas de cromos com as colecções completas, isso era uma ganda ventarola; se o paulo tinha estado num grupo, em tempos, no algarve, a contar anedotas até às quatro e meia (!) da madrugada, isso era uma ganda ventarola; se a rosa ia atrás de nós quando pegávamos no copo e nos dirigíamos para a varanda do seagull, isso era uma ganda ventarola; se o luis tinha visto os u2 em vilar de mouros, isso era uma ganda ventarola; se o carro do senhor carlos tinha um conta quilómetros que marcava 190 km/h, isso era uma ganda ventarola....

o tempo passa, todos nós, graças a deus, crescemos e relativizamos essas coisas todas. parece-me bem. contudo, há alguma inocência, alguma ingenuidade que se perde. ok, aceito que não há necessidade sequer de abrir os olhos de espanto se alguém nos conta que comprou um slk ou que ofereceram-lhe uma imperial no bar do hotel bairro alto. estou me marimbando para esses tiques desta geração que começa a ver que já não tem tantos cabelos para cobrir a careca como antigamente.

mas também não passemos do oito ao oitenta. sermos crescidinhos e não nos admirarmos com as diferenças da grossura da carteira do parceiro ou da parceira é algo que se exige a qualquer boa gente - quem diz grossura da carteira diz da quantidade de amigos do facebook (muitos deles com quem nunca trocámos 3 palavras) que já saíram nas páginas das revistas cor-de-rosa ou que têm blogs com mais de 249 visitas diárias - mas eu acho que há algo que não devemos perder que é a capacidade de ventarolarmos isto ou aquilo.

sinto-me francamente mais catraio quando ventarolo, mas sinto-me bem. gosto.

por isso, acho uma ganda ventarola quando descobrimos no facebook, não aquela pessoa que andamos à procura há 6 meses, mas precisamente uma outra, que já nem nos recordávamos que nos lembrávamos e que até nos mente, dizendo «estás na mesma»; acho uma ganda ventarola um livro de bd que me emprestaram, logo eu que nem ligo muito a esta coisa dos bonecos; acho uma ganda ventarola haver leitão, a preço decente, aqui perto da minha casa; acho uma ganda ventarola quando uma criança que não ia nada à bola connosco passa a alinhar com a nossa pinta; acho uma ganda ventarola quando, ao usarmos o nosso saca-rolhas mais simples, ele consegue, isso mesmo, sacar as rolhas com súplésse; acho uma ganda ventarola aos chás que tenho descoberto nos últimos meses; acho uma ganda ventarola ter finalmente chegado ao arc of a diver depois de alguns anos emperrado no talking back to the night e, estranhamente ou não, acho uma ganda ventarola que haja dois ou três personal produtores de ventarolas da minha vida que volta e meia, com alguns anos de intervalo pelo meio, tornem a espantar-me sem que eu tenha encomendado nada.

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