quinta-feira, abril 29, 2010

filhos notáveis

hoje de manhã, quando tentávamos ver na televisão 

pois, pois, num dia dizes que não vês televisão, no outro até fazes zapping

que tempo iria fazer hoje, passei num canal de mulheres (nada contra) e estavam a comentar um livro sobre crianças (nada contra). sabem, aquele tipo de livro «pequeno manual para crianças dos 0 aos x anos» (nada contra). e lá referiam as birras, os "nãos", os "não quero", a preguiças.... (nada contra).

(nada contra) agora é moda. se conseguissem reunir numa única livraria todos esses livros, tenho a certeza que já dava uma bela prateleira à disposição dos pais e outros interessados. (nada contra, novamente).

fico a pensar, contudo, noutro tipo de livros que cada vez mais reparo não existirem nestas fnacs da vida. 

já explico.

quando há jackpots no euromilhões, volta e meia lá aparecem umas reportagens todas catitas nos telejornais, sobre ou pessoas que ganharam muito e depois perderam tudo ou ganharam muito, deram-se bem e mudaram de vida. logo, logo a seguir, há umas entrevistas com umas pessoas do gabinete que a santa casa tem lá na sede do totoloto, precisamente dedicado a aconselhar os felizardos que, de um momento para outro, se vêem com 37 milhões de euros no bolso. sei lá, estão ali para ajudar a responder àquelas perguntas, aparentemente loucas, que devem surgir a esses recém milionários: «deverei emprestar dinheiro a todo o mundo que mo pedir?», «deverei pagar marisco no ribeiro, durante uma semana inteira, ao meu grupo de amigos mais chegado?», «será muito complicado ter garrafa no elefante sem que a minha mulher saiba?», «a que destino deverei ir primeiro: bora-bora ou tahiti?», «a quem deverei mandar para a quinta pata do burro: a minha professora de matemática do 10º ano ou o senhor guarda que me multou quando estacionei «ali só 3 minutos, xô guarda» enquanto fui comprar o medicamento para a gripe do meu sobrinho?» e por aí fora.


fiquei a pensar neste gabinete quando vi as senhoras lá do canal de mulheres (nada contra) falarem sobre o tal livro. reflecti (eu sou um pensador ou o que é que pensam, porra?) porque acho que deveria haver livros (em abundância) sobre crianças acima da bitola (bitola esta fabricada pelos pais das ditas criancinhas). sim, crianças que os pais dizem que são espertalhaças, crianças a quem os dentes nasceram primeiro que os outros, crianças que desataram a andar antes dos outros, crianças que sabem fazer ctrl+alt+del quando o pc crasha, crianças que... pronto, crianças, pronto!


fico a pensar no que terão dito os pais do mozart quando o petiz lhes apresentou aquelas obras aos 4 anos: eh pá, ó klaus (estamos na austria, não esqueçam), tens que lá ir a casa ver o meu johann, o puto é bestial, pá. não tem nada que ver com o filhos ali do lothar, essa valente cavalgadura! então não é que o lothar me vem dizer que a karina - a mais pequena -, já sabe bordar? mas está parvo, o que é isso de bordar, pá? então o meu johann, um chavalo que até toca piano usando as duas mãos e tudo, faz umas músicas bestias e, imagina só, até já usa as teclas pretas, meu! olha, olha.... e vem-me aquele cabrão falar-me nos bordados da filha? tché!


parece ridículo, não é? pois, para alguns pais isto é o seu modo de vida. são como aquele domador andaluz, o ángel cristo, ali a mostrar as habilidades dos seus animais e tal... a cabeça dentro da boca dos leões, coceguinhas no pescoço dos tigres... gostam de mostrar e divulgar as habilidades das seus crias, como se fosse a última bolachinha do pacote.


não percebem o ridículo da coisa?


será que o que é bom, é isso? porque será que nunca ouvi um pai dizer que o seu filho tem uma generosidade ínfima? porque é que será que nunca ouvi uma mãe dizer que o seu filho é um porreiro e desligado dos seus brinquedos e que os oferece todos na escola? porque será que não as ouço falar na consciência solidária com os necessitados? ou com o estragar comida? e outras situações que tal...


gosto de ver, de olhar para as crianças - e até os adolescentes - num prazo de 15/20 anos. como os futebolistas, curiosamente. estou farto de ver avaliações a craques com 19 anos que serão os futuros maradonas. depois, chegam ali aos 23 e desatam a comer gajas de peitos bélicos, cagam para as fintas, engordam e dão lugar a outros. nahh, o cristiano será um belíssimo jogador se chegar aos 32 a jogar como tem jogado até agora. é que até onde ele já chegou, sinceramente, tenho visto alguns.


havia um pai, amigo da minha família, que tinha por hábito deslocar-se a minha casa, na altura em que eram afixadas as notas escolares do filho, para se gabar da coisa. aquilo, normalmente, eram quatros a uma ou duas disciplinas e cincos ao resto. que maravilha, a baba ali a escorrer-lhe pelos queixos e tal. curiosamente (ou não), o puto estava-se cagando para a gabarolice do pai e queria, humildemente (curiosamente ou não), era viver a vida. quis o destino, o azar e um valente galo, que um problema de saúde lhe fornicasse para o resto da vida a brilhante carreira académica que era suposto vir a ter. continua vivo, continuou humilde. o pai, acredito, nunca mais se pôde gabar do filho. gaba-se das netas que são uma delícia. acho que aquele pai nunca mais teve baba nos queixos. e é pena, tem um filho notável e não dá por isso. mesmo sem éme bê ás e coisas que o valha.

este texto não é para ninguém em especial. nunca é. aliás, eu estou aqui a pensar e afinal não há pais como eu aqui descrevo. nah, isso não existe. os pais são sempre os melhores do mundo. e os filhos, ui, esses também.


criem-se livros para estes pais, pelo amor da santa!

7 comentários:

Patti disse...

Ah, excelente texto!

S.A. disse...

Tu pá...

3Picuinhas disse...

:) gostei muito. Inventem-se novos pais.Pais que saibam que o que é mesmo preciso é que os miúdos, no breve espaço entre o nascer e o ser crescidos, sejam simplesmente felizes!

Clara disse...

já te contei que o meu filho é o único da sala dele que sabe ler [há uns meses]. e escrever. que aprendeu sozinho, sem ninguém o ensinar. que aos 5 faz contas de multiplicar sem nunca ter aprendido sequer a somar e sabe contar até o infinito. mas que o que eu queria mesmo era que ele comesse normalmente, não acordasse a meio da noite e se vestisse sozinho de manhã. [e sim, orgulho-me de quanto ele é generoso com coisas e dinheiro].

elisabete disse...

Como compreendo. Quando digo aos pais dos meus alunos que estes são miúdos carinhosos, meigos, gostam de ajudar e são educados, respondem-me "Ao menos que tenha alguma coisa de bom!" e fico a pensar que burros são estes pais que não conhecem nem dão valor àquilo que têm e que os seus filhos são simplesmente uma raridade a cuidar e proteger. Talvez um dia...

sofia disse...

lindo...

Cristina disse...

Este é um valente "Gosto" :)...