havia um empregado da pastelaria roma, o baptista, que era mais coisa menos coisa a versão portuguesa do john belushi. uma certa noite, quando me preparava para pagar seis sagres preta e dois cafés (estava acompanhado por um velho irmão) ele perguntou-nos:
- então, vão para as docas?
- nah... hoje é noite de ir para o dois!
o gajo fez um
- para o dois mil? ahhhhhhhh...
ficou a olhar para o tecto com um ar pensativo e seguiu a sua vida. passados dez segundos regressou à mesa:
- vão mesmo?
- vamos!
- ihhhh, que espectáculo. foda-se, as saudades que eu tenho daquilo. estava lá sempre batido. ainda está bom?
- claro que está!
- vocês não estão a ver bem aquilo, vinha gente de tódóládo. éramos milhares a caminhar para lá. ai que sódádes. até s'a fodia lá dentro, man! aquilo era a catedral!
foi a primeira vez que ouvi a designação de catedral para o dois. e merece o epíteto. é claro que este último conjunto de frases que ele pronunciou são o máximo: imaginar clientes do 2001 a virem, aos milhares, de todo o lado como se fossem formigas agrupando-se naquela alameda do autódromo para conseguirem entrar e, já lá dentro, a produzirem valentes fornicamentações naqueles belos sofás ao som do whole lotta love é algo que me tira do sério.
eu não sou dos que frequenta o dois desde sempre, ou seja, desde que aos 18 anos o poderia tecnicamente frequentar. nada disso. para já porque tecnicamente o meu pai não me deixava ir a discotecas cuja última música tocasse depois do telejornal das oito e depois porque aos dezoito anos eu com certeza que não iria curtir aquele som.
aquele som, começou por me dizer alguma coisinha após umas visitas ao news lá para 89/90 e só acabou por se entranhar definitivamente após a tropa. o chico mestre, velho camarada de armas, tinha uma cassete gravada duma emissão da velha rádio marginal (estão a ver a secante rádio marginal actual? pois não tem nada a ver) que tinha como alinhamento as seguintes músicas:
- gimme your good lovin dos diving for pearls
- fire woman na versão la rock mix dos the cult
- just another night (extended remix) do jagger
- not dead yet dos styx
- you shok me all night long dos ac faísca dc
- rebell yell do billy idol
e terminava com o i found love dos lone justice.
que set do camandro. meus amigos, porra, a quantidade de vezes que eu vim de campanhã até santa apolónia, feijão-verdamente fardado a ouvir esta cassete no meu uólquemen. jasus, ouvi esta cassete milhares de vezes. e o mestre dizia-me: se gostas disto, larga o news e mete-te a caminho do dois. aquele "larga o news", assim como quem diz "larga a coca", fazia sentido para mim. mas acabei por andar agarrado ao news durante mais uns anos.
mas eu considero aquela cassete a minha epifania. o dois mil veio uns meses depois numa noite muita louca mas não entranhou logo.
a coisa só aconteceu, por um feliz acaso, algures em meados dos anos noventa, após muito treino conseguido com a audição dos discos dos meus camaradas de oeiras, depois de algumas idas ao bauhaus (porque raio os betos da linha dizem bá-áus?), depois de muita coisa desse género. a verdade é que com esse treino todo, quando então voltei ao dois, algo se tinha passado. toda aquela música passou a fazer sentido para mim. e realmente ainda faz.
o dois mil é mesmo a melhor discoteca que eu conheço. porque é imutável. e isso, acreditem é bom. é bom que não haja imperiais mas sim médias; é bom que não haja garrafinhas de água mas sim, grandes litradas de água de luso (garrafa de vidro); é bom que eu me sinta seguro até ao tutano lá dentro;
aliás, a segurança do 2001 é outro dos mitos urbanos que para aí se fomenta. acreditem, há (houve) muitas mais mortes, esfaqueamentos, socos e afins em 18 (20?) anos do kremlin do que em 35 anos do 2001. mas de caras. tentem um dia armar-se aos cucos no 2001 e vão ver o que é o remédio para a tosse.
é bom que nós saibamos que aquela música, infelizmente, já só se ouve ali; é bom que ninguém ligue ao que levas vestido; é bom que tu saibas que entras lá queres vá com 5 gajas ou com 10 maduros; é bom que não haja preconceitos rigorosamente nenhuns com o teu aspecto; ali convivem os motards, com os janados, com os freaks, com as matronas lá daquelas terras com nomes como cacém e serra das minas, ostentando penteados estilo puta dos anos setenta (vide madonna no tempo do music), com tias da linha (cada vez mais), com pitas da moda (estranhamente, cada vez mais), é bom .... tudo!!!!! tudo ali é bom!!!!!
e é bom porque tem um início com música dos eighties muito à maneira (há quanto tempo não ouvem o airport dos motors numa discoteca?); e é bom porque tem, ali por volta das 2h40, abertura de pista com fumos e strobs como já não voltou a haver em mais lado nenhum; e é bom porque uma vez o dj me disse: "entra aí na cabine porque eu não te estou a ouvir muito bem. queres que eu ponha o quê?" e que a minha vontade foi descalçar-me por achar que estava a pisar terreno sagrado; e é bom porque um dos djs certa noite atendeu ao meu pedido para ouvir o she's so cold (quantas discotecas dão o she's so cold? meus amigos, quantas?) afirmando "eh caralho, se queres ouvir o she's so cold és old skool, man!, vou já tratar disso!" e é bom porque a noite termina sempre, sempre, sempre da mesma forma:
e nessa altura não há nada a fazer, é juntarmos os cacos e rezar para que a bêtê não tenha trabalhado nessa noite!
siga! para a semana há mais!
- então, vão para as docas?
- nah... hoje é noite de ir para o dois!
o gajo fez um
- para o dois mil? ahhhhhhhh...
ficou a olhar para o tecto com um ar pensativo e seguiu a sua vida. passados dez segundos regressou à mesa:
- vão mesmo?
- vamos!
- ihhhh, que espectáculo. foda-se, as saudades que eu tenho daquilo. estava lá sempre batido. ainda está bom?
- claro que está!
- vocês não estão a ver bem aquilo, vinha gente de tódóládo. éramos milhares a caminhar para lá. ai que sódádes. até s'a fodia lá dentro, man! aquilo era a catedral!
foi a primeira vez que ouvi a designação de catedral para o dois. e merece o epíteto. é claro que este último conjunto de frases que ele pronunciou são o máximo: imaginar clientes do 2001 a virem, aos milhares, de todo o lado como se fossem formigas agrupando-se naquela alameda do autódromo para conseguirem entrar e, já lá dentro, a produzirem valentes fornicamentações naqueles belos sofás ao som do whole lotta love é algo que me tira do sério.
eu não sou dos que frequenta o dois desde sempre, ou seja, desde que aos 18 anos o poderia tecnicamente frequentar. nada disso. para já porque tecnicamente o meu pai não me deixava ir a discotecas cuja última música tocasse depois do telejornal das oito e depois porque aos dezoito anos eu com certeza que não iria curtir aquele som.
aquele som, começou por me dizer alguma coisinha após umas visitas ao news lá para 89/90 e só acabou por se entranhar definitivamente após a tropa. o chico mestre, velho camarada de armas, tinha uma cassete gravada duma emissão da velha rádio marginal (estão a ver a secante rádio marginal actual? pois não tem nada a ver) que tinha como alinhamento as seguintes músicas:
- gimme your good lovin dos diving for pearls
- fire woman na versão la rock mix dos the cult
- just another night (extended remix) do jagger
- not dead yet dos styx
- you shok me all night long dos ac faísca dc
- rebell yell do billy idol
e terminava com o i found love dos lone justice.
que set do camandro. meus amigos, porra, a quantidade de vezes que eu vim de campanhã até santa apolónia, feijão-verdamente fardado a ouvir esta cassete no meu uólquemen. jasus, ouvi esta cassete milhares de vezes. e o mestre dizia-me: se gostas disto, larga o news e mete-te a caminho do dois. aquele "larga o news", assim como quem diz "larga a coca", fazia sentido para mim. mas acabei por andar agarrado ao news durante mais uns anos.
mas eu considero aquela cassete a minha epifania. o dois mil veio uns meses depois numa noite muita louca mas não entranhou logo.
a coisa só aconteceu, por um feliz acaso, algures em meados dos anos noventa, após muito treino conseguido com a audição dos discos dos meus camaradas de oeiras, depois de algumas idas ao bauhaus (porque raio os betos da linha dizem bá-áus?), depois de muita coisa desse género. a verdade é que com esse treino todo, quando então voltei ao dois, algo se tinha passado. toda aquela música passou a fazer sentido para mim. e realmente ainda faz.
o dois mil é mesmo a melhor discoteca que eu conheço. porque é imutável. e isso, acreditem é bom. é bom que não haja imperiais mas sim médias; é bom que não haja garrafinhas de água mas sim, grandes litradas de água de luso (garrafa de vidro); é bom que eu me sinta seguro até ao tutano lá dentro;
aliás, a segurança do 2001 é outro dos mitos urbanos que para aí se fomenta. acreditem, há (houve) muitas mais mortes, esfaqueamentos, socos e afins em 18 (20?) anos do kremlin do que em 35 anos do 2001. mas de caras. tentem um dia armar-se aos cucos no 2001 e vão ver o que é o remédio para a tosse.
é bom que nós saibamos que aquela música, infelizmente, já só se ouve ali; é bom que ninguém ligue ao que levas vestido; é bom que tu saibas que entras lá queres vá com 5 gajas ou com 10 maduros; é bom que não haja preconceitos rigorosamente nenhuns com o teu aspecto; ali convivem os motards, com os janados, com os freaks, com as matronas lá daquelas terras com nomes como cacém e serra das minas, ostentando penteados estilo puta dos anos setenta (vide madonna no tempo do music), com tias da linha (cada vez mais), com pitas da moda (estranhamente, cada vez mais), é bom .... tudo!!!!! tudo ali é bom!!!!!
e é bom porque tem um início com música dos eighties muito à maneira (há quanto tempo não ouvem o airport dos motors numa discoteca?); e é bom porque tem, ali por volta das 2h40, abertura de pista com fumos e strobs como já não voltou a haver em mais lado nenhum; e é bom porque uma vez o dj me disse: "entra aí na cabine porque eu não te estou a ouvir muito bem. queres que eu ponha o quê?" e que a minha vontade foi descalçar-me por achar que estava a pisar terreno sagrado; e é bom porque um dos djs certa noite atendeu ao meu pedido para ouvir o she's so cold (quantas discotecas dão o she's so cold? meus amigos, quantas?) afirmando "eh caralho, se queres ouvir o she's so cold és old skool, man!, vou já tratar disso!" e é bom porque a noite termina sempre, sempre, sempre da mesma forma:
e nessa altura não há nada a fazer, é juntarmos os cacos e rezar para que a bêtê não tenha trabalhado nessa noite!
siga! para a semana há mais!
6 comentários:
Fixe ;-P !!!
Cumps
Irmão, podes não acreditar, mas (atenção, nada de risos nem de gozos, ouviste?) eu nunca fui ao 2001.
Achas q ainda vou a tempo?
até eu fiquei com vontade de lá ir :D
achas que há uma quota para gajas do norte? lol
Andas inspirado. Bela crónica urbana.
Mas o baptista não era na Sul América?
Cumpts.
ainda bem que avisas.
só lá fui uma vez. eu era mais menina do rockline... eu sei, mas era bem mais fácil ir de transportes para o outro lado que aí.
mas fiquei com vontade, lá isso fiquei.
tenho de ir avisar umas quantas gajas... :D
É isso mesmo! E o 2001 continua em GRANDE!! Keep Rockin!
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