terça-feira, julho 07, 2009

intervalo grande

se eu tivesse que responder, com sinceridade, àquelas incansáveis provocações que nos fazem quando chegamos aos entas

nada muito diferente das que nos fizeram quando desatámos a
trintar por aí fora

aquelas coisas do «e então, como é ter quarenta anos?» eu diria que ter quarenta anos é ter patine na saudade.

assim como os prédios da almirante reis sempre tiveram patine

noutro dia reparei que os das avenidas novas, agora que nos aproximamos a correr do fim desta década do novo milénio, começam a ter também patine de boa casta nos alçados frontais


também nós olhamos para as nossas saudades mais remotas, com aquela coisa boa de lá encontrar paredes com vestígios de mais de vinte anos, assim como as paredes com camadas sucessivas de cartazes das festas do avante ou dos concertos de apoio à libertação do povo oprimido pelo general noriega.


se aos trinta eu verificava que aconteciam com bastante frequência frases iniciadas com as palavras «lembro-me, há vinte anos...», aos quarenta, tenho a felicidade de reencontrar pessoas que não via há pelo menos, os tais referidos «há vinte anos».

e sucedem-me com uma velocidade estonteante esses reencontros: há dois anos foi a fantástica reunião de colegas duma muito gira turma do meu rainha dona leonor; há uns meses marcou-me muito um valente simpósio gastronómico em casa da minha única prima carnal

gosto muito de dizer «primos
carnais»

aqui do meu lado jaime, a «tal» prima que todos nós tivemos, temos e teremos;

gosto tanto de tua pinta, pá!
;

no meu 40º aniversário recebo um telefonema duma ovelha transviada que abandonou há uns 18 anos um rebanho muito porreiro; desde há uns dois anos, ou coisa que o valha que me ando a empanturrar com valentes comezainas nuns encontros muito aprazíveis

não penses que os caracóis de ontem fazem esquecer o leitão. e aviso já que não te armes em caçador gabirú, a apanhar estorninhos com pescoceiras armadas lá no terreno para nos servires passarinhos com arroz. estou para aqui a falar e se calhar nem sabes o que são pescoceiras. nahhh, deves saber!

com gente da velha, velha, velha guarda; há uns meses foi uma mana que esteve guardada uns oito anos, precisamente para me saberem melhor uns reencontros valentes, acontecidos já neste ano que andamos a percorrer; são histórias atrás de histórias.

e se o facebook (ou o hi5 ou o raio que o parta) é o novo suplemento dos classificados com anúncios a reencontros do batalhão de combatentes destacados no uige de 1968 a 1972, então juntemo-nos ao facebook que não vem daí mal nenhum ao mundo.

e eu ando para aqui a engonhar, com este texto nitidamente de «ir ao cu» e nunca mais chego ao que interessa.

falei ali atrasado numa turma do meu querido rainha dona leonor. foi uma turma criada ali por volta de 1986/87 ou coisa que o valha, gente já com bigode rijo e tal, pessoal que já tinha arrumado os lusíadas - cheios de desenhos grafitados de adamastores com palas à pirata e bigodinhos hitlerianos - na prateleira mais alta e andava agora na livraria da fundação gulbenkian, lá na cave, armados em finos e carapaus de corrida, feitos parvos a comprar o pesadíssimo jansen. mas tinha mesmo que ser comprado...

pois, agora falo-vos de uns cromos mais difíceis.

começaram timidamente; este adicionou aquele, que descobriu depois aqueloutro e mais não sei o quê e quando demos por ela, estavam umas pessoas que já não se viam há uns vinte e tal anos a coleccionar almoços à sexta-feira.

e desses almoços de 48 minutos cada, partimos para o patamar da jantarada.

mas aqui já é preciso sorte. da mesma forma que havia sempre um tanso que tinha mais lata e paciência para os aspectos logístico-escolares e que apanhava com o frete de ser o delegado de turma, também aqui há uns (e umas. calma, não atirem pedras) que fazem os favor de nos oferecerem de presente: folhas de excell com relações de alunos, contactos telefónicos, messengers... e que marcam mesas em restaurantes, organizam contas, falam com empregados de mesa e coisas assim.

depois há gente, nitidamente mais parva (não tens outro nome, meu querido engenheiro) que enfia em sua casa, uma dúzia de bêbados e barulhentos cotas, carregados de paletes de cerveja, sacos de gelo e uns cd, para evitar que os plateaus desta vida ganhem uns trocos com um bando de cantores de karaoke.

este post, como a maioria das coisas deste blog, é obviamente escrito com um (uns) destinatário(s) na parte da frente do envelope.

é assim mesmo!




madrugada de domingo, no regresso a casa, transportando comigo muita emoção boa, uma valente cólica renal e um ensonado advogado, comentava com este último, como é bom ter andado na escola com pessoas tão diferentes que chegam, depois, aos quarenta e ãs, comportando-se duma forma tão homogénea e pateta. como é bom ver chegar à nossa beira, esta ou aquela pessoa que já não vemos há tantos anos, darmos um abraço, soltarmo-nos num repente e disparando para o outro um «vais tu ou vou eu pedir duas tulipas ali ao balcão?» assim, como quem diz «vai-me ali à mirita do bar e tira-me uma senha para um bolo de arroz, enquanto vou num instante ao wc passar o meu kispo por água, que o cabrão do augusto mandou-me com um torrão de terra com tanta força que até parecia que me partia o ilíaco.»

não me apetece (se calhar até apetece) estar para aqui a reflectir muito sobre a noite de sábado. sei é que fiquei com a sensação que tinha estado de novo, num dos intervalos da escola. no grande, no de quinze minutos. é isso, para mim, aquilo foi o intervalo grande.

e eu espero que a minha filha nunca nunca leia esta parte - tenho a certeza que se está cagando e andando para isto - mas para a sua formação mais lá de dentro da ialma preocupa-me mais que ela chegue aos 35 ou 40 anos com o espírito de saudade e reencontro que o pai e os seus amigos de escola têm, do que ter passado os anos todos, cheia de: boas notas, irrepreensíveis comportamentos disciplinares ou folhas de avaliação pejadas de «assíduo e pontual»

(gostava de ter exagerado com o que escrevi nesta última parte, mas estou ainda tão emocionado com aquilo tudo de sábado que por enquanto é assim que fica.)

dê, dê, dêdêredê
dê, dê, dêdêredê
dê, dê...




(só deus sabe porque carga de água, onde está a maria, está um bando de gajos todos augados à volta.)

7 comentários:

tcl disse...

ouve cá... gostei muito daquela definição dos quarenta anos: "ter patine na saudade". lindo. mas explica-me lá: que raio são aquelas bisnaguinhas que têm vocês todos na mão? sou eu que ando em Marte e aquilo é coisa da moda ou é mesmo uma edição especial de dentífrico só para a vossa turma do rainha?

Cristina disse...

Dos melhores intervalos que alguma vez tive, sem dúvida! E que bom que é ler a tua composição sobre o tema!...

Gonçalves disse...

Eh pá, o da cólica renal é supersticioso? Jantar sexta à noite e treze à mesa...
Sei não seu Jaime;-)

Tirtaruga disse...

Mas, ouve lá ó meu ganda maricas, fizeste anos quando?!
Ganda bacalhau
Tiago

Su disse...

Coincidência das coincidências: um dos gajos desta fotografia é pai de um coleguinha dos meus miúdos. O mundo virtual é ainda mais quintal que o mundo real!

P.s. A bebida era boa? Ainda não me provei essas modernices!

Di Napoli disse...

É por estas e por outras que eu gosto mesmo de ti, irmão. :)
Bem-hajas!
(Tu já ouviste bem o "Rags", do "Pagan Place"? Mas assim mesmo, mesmo bem? Então vai lá ouvir, e depois diz-me qualquer coisa...)

anonimo do livro disse...

Estive aqui, li e gostei... Como sempre.

Um abraço