aí há uns 20 anos (pronto, ok. um bocadinho menos mas não muito) tive uma namorada com um feitio bárbaro. não que eu também não o tivesse, é certo. mas ela batia-me aos pontos. numa altura em que as coisas não estavam bem (mais eu em relação a ela que ela em relação a mim) precisamente por causa do afamado feitio, chego eu a casa dela e a miúda estava numa excitação brutal. imagine-se que tinha acabado de adquirir a banda sonora do big chill e decidiu começar ali mesmo a desfilar as músicas uma a uma para saber se tinha ou não feito a compra do século.
isto lido agora, com internetes, emules e afins até parece ser uma coisa ridícula. mas não é. naquele tempo conseguir comprar esse disco era uma coisa muito, muito difícil.e eu estava deslumbradíssimo. tinha visto o filme uns anos antes e, claro, tinha adorado. ouvir ali a banda sonora, mesmo à minha frente, era uma coisa irreal. mas não dei parte fraca. como estava ainda com os azeites lá ia dando uns grunhidos à medida que ela ia passando duma música para outra: ah!, não é má.... sim, conheço... sim, passa.... etc.
não demorei muito tempo a deixar-me daquela palhaçada e fui logo buscar uma cassete ao quarto da irmã dela para gravar aquilo. foi seguramente a cassete mais ouvida desses tempos.
por essa altura, houve alguém que descobriu uma cópia desse big chill no clube de vídeo do arco íris e lá se consegui também o filme.
e é um grande filme. e nesse verão de 90 (mais uma vez a referência ao melhor verão de sempre) esse era o nosso filme. um filme que víamos vezes sem conta, um filme do qual adorávamos tudo e mais alguma coisa, um filme onde tentávamos, secretamente, encontrar similaridades entre este ou aquele personagem com este ou aquele elemento do nosso grupo: o sam, era seguramente aquele; a sarah poderia ser, às vezes, aquela, mas naquela situação que a gente cá sabe, não seria seguramente ela; o michael era unanimemente considerado por todos como aquele; o nick não era nenhum; o harold tinha dias, às vezes era este outras aquele; a meg, podia, quem sabe ser aquela, mas naquela cena que a gente sabe, não era de certeza absoluta; a karen só podia ser aquela; a chloe também não era ninguém, o alex, nós não queríamos que fosse ninguém.
mas gostávamos todos do filme sem excepção: ou porque também éramos um grupo de amigos, ou porque gostávamos de saber como é que seria se um dia nos voltássemos a rever anos depois, ou simplesmente, porque gostávamos de os imitar. nem que fosse a passar um fim-de-semana todos juntos e simplesmente: falar, acontecer, brincar, dar umas tampas ou fornicar.
eu ainda não consigo dissociar estas músicas das cenas do filme e vice versa:
- o baixo do i heard it through the grapevine
começa precisamente quando a sarah, que tinha acabado de desligar o telefone, está a olhar para o harold de lágrima a escorrer pelo olho direito e este percebe que alguma coisa de grave realmente se passou.
- o natural woman precisamente depois da sarah dizer ao harold: it's about meg
- o you can't always get what you want surge lá na igreja e desencadeia aqueles dois fantásticos sorrisos no nick e no sam. aqueles sorrisos que dizem tudo, que nos dizem que aconteceram tantas coisas boas ao som daquela música.
- o bad moon rising é tocado enquanto o sam e o harold vão no jeep e relembram o dia em que ambos viram os creedence em poco.
- o tell him das exciters inicia imediatamente após a tampa da chloe ao michael.
- o gimme some lovin acontece no intervalo do jogo de futebol americano.
- o the weight enquanto tomam o pequeno almoço e calçam os tenis
- o som do ain't too proud to beg vem do disco que o harold põe a tocar quando estão a levantar a mesa - cena do caneco. eu acho que já repeti aquele movimento de braço no tan-tan-tan do piano inicial umas 583 vezes.
- etc, etc, etc
e é essa banda sonora que fez com que nessa altura só ouvisse: os temptations, ou marvin gaye, o smokin robinson, os stones (bom, estes já os ouvia antes e continuo a ouvir. e se deus quiser lá estaremos em julho no estádio de alvalade), o hall & oates, o otis redding, os creedence (ó zé, devia fazer um post sobre o vitinha da esquadra, não era? o gajo é que tinha razão, já viste?) o wilson picket, a aretha franklin, os platters, os procol harum, etc, etc. e só não ouvia mais coisas porque ainda não tinha sido inventada a internet.
e os diálogos, porra os diálogos. a gente sabia aquelas frase de cor, caneco:
- that's nice, trust.
- fear of herpes
- Oh, we cleaned it up.
- look at this! this could be us! the next generation.
- he went out in a bang!
- you're so analytical
- does a bear jerk off?
e por causa deste filme, se calhar, alguns de nós pensámos também no nosso próprio funeral ou no funeral de alguns de nós. e se calhar eu adoro fins-de-semana com os amigos por causa deste filme. e se calhar eu gosto do meu grupo de amigos também para brincar ao big chill. e se calhar.... e porque é que os grupos de amigos não duram para sempre?
este
amigo pediu-me uma lista com os cinco filmes que eu mais gostei em toda a minha vida. ainda não respondi porque há alguns que me marcaram em 1986 mas que já não me marcam mais. e nem nos 10 primeiros agora estão.
quando surgiram os dvds este foi o primeiro filme que eu comprei. é sintomático de alguma coisa, não é?
é o meu filme favorito. de caras.