Da mesma forma que, julgo eu, irrita os sportinguistas verem o seu clube ser denominado por Sporting de Lisboa, também a mim sempre me moeu a mona quando se referem ao meu Vitória como o Vitória da Picheleira. Bem sei que por vezes se utiliza essa expressão para nortear e localizar os interlocutores. Mas mesmo assim não gosto. Para mim e para todos os vitorianos é Vitória Clube de Lisboa e não se fala mais no assunto.
Para uma comunidade tão aguerrida como a Picheleira, ser vitoriano não era nem nunca foi uma conjuntura. Era uma certeza. Nascia-se na Picheleira e, portanto, morria-se vitoriano. E assim também foi comigo. Nunca tive esse problema de saber se o Vitória era o meu primeiro ou o meu segundo clube. Aliás, em abono da verdade, cronologicamente, o meu primeiro clube foi o Ajax de Amesterdão. Só mais tarde decidi ser portista. Só mais tarde ainda, reparei que antes disso tudo, já eu era vitoriano. Na ginástica do VCL entrei aí aos 3 anos e por lá andei durante um porradão de tempo. No futebol tentei entrar por diversas vezes, sempre de forma infrutífera é certo, mas nunca por culpa do Clube, sempre por demérito próprio.
Da mesma forma que já ninguém liga ao Festival da Eurovisão também agora já não há ligações fortes com os clubes da terra (ou os clubes de bairro, como queiram chamar) como havia antigamente. Neste aspecto eu sou do antigamente.
Se na ginástica eu já era vitoriano e nunca tinha dado por isso, no futebol achei que seria a hora de "me lembrar" que o Vitória me estava no sangue e não só na minha família (o meu pai sempre foi uma pessoa cheia de intenções associativistas, começando, claro pelo VCL) quando assisti a uma vitória do Vitória sobre o Arroios, aí por uns 4 ou 6 a zero. Meus amigos, uma equipa que dá 4 ou 6 na pá do Arroios (clube que até ostentava o nome numa estação de metropolitano) não era para toda a gente. Tinha de também ser vitoriano pelo futebol. E fui! (Tinha uns 7 ou 8 anos)
Podia estar aqui a debitar histórias sobre o rol de campos que já visitei a apoiar o grande Vitória, podia falar de vitórias fantásticas, de derrotas vergonhosas, de roubos de igreja, disto e daquilo. É escusado. Ser vitoriano, não é a mesma coisa que ser do benfica, do sporting ou do porto. É muito mais importante. É sermos daquilo onde nascemos. É como se fosse um pleonasmo, é como subirmos para cima ou descermos para baixo. Se nunca deixamos de ser naturais do sítio onde nascemos, eu tenho a certeza que nunca deixarei de ser vitoriano. Mais, cheguei a ser usufrutuário de um dos mais fantásticos símbolos do clube: o cão de guarda do campo de futebol. Vitória, de seu nome, claro!
É certo que já não pratico lá nenhum desporto; já não tenho o sonho de ir para cima daquela estrutura metálica, habitualmente denominada de marcador e ir mudando as placas dos números à medida que se marcavam os golos; nunca mais fui arrumador nem vendedor de bilhetes nas soireés de cinema, já não vendo pastilhas elásticas nos bares do campo, já não sigo a equipa de futebol, já não vou à sede, até já nem conheço os dirigentes nem sequer os jogadores. Mas há palavras e nomes que fizeram, fazem e farão sempre sentido no meu dicionário: Vieira (extremo, campeão em 1977), Cajoca, Meirim, Cô, Marinho, Baldarachi, Veladas, Zé do Campo, Vitória (cão), Paulo Reis, Pedro Paulo, Projecção Cultural, Kaiser, Totina, Chitas, João Ferreira, Giuseppe Luigi, Xavier, Mateus (olha lá, o gajo não te faz lembrar o Charters, pá? o falecido pai, não os filhos, ok?), Ferro, Zé dos Queijos, Filipe de Abreu, Galapito, Vieira (treinador), Carlos Manaças, Flávio, Pita, Ferraz, Lordes, Américo, Carnaval, Baila da Pinhata, Feijão,Greno, Melo, etc, etc, etc