com a esperança com que se mete o boletim do euromilhões perguntámos-lhe há dias, enquanto jantávamos, «o que é fizeste hoje na escola?»
não com a sorte de quem lhe saiu o prémio maior, mas com a de quem fez, vá lá, dois números e uma estrela, com a calma e o desprendimento com que responde a estas questões, disse: «desenhámos os girassóis do van god».
com uma estupefacção igual à de quem viu a odete santos na tv, a ajeitar as mamas no soutien ou a repor o dente postiço no seu lugar, olhámos um para o outro, olhámos depois para ela que enquanto continuava a tentar ajeitar meia forminha de arroz com a faca e o garfo a imitar os adultos e dissémos ao mesmo tempo:
- do van god? oh my god!
e não conseguíamos conter o riso e admiração.
- ó filha, o senhor chama-se van gogh. que giro. e gostaste de pintar os girassóis?
- sim!
e gostei desse teu sim. foi um sim de quem deu a devida e correcta importância à coisa: nenhuma! tanto se lhe dava estar a desenhar os girassóis ou a reproduzir a fotografia do bebé do nevermind.
uns instantes depois, estava a esgotar-se-me o juízo porque andava de faca em punho a fazer plonc, plung, plig nos copos, jarros, beiras dos pratos e garrafas que se encontravam sobre a mesa.
- beatriz, pára com isso!
- plung, peng, ping, qlin, qlin, qlin, qlin, qlin, qlin.... é isso, pai, também desenhámos o qlin.
novamente a olhar um para o outro, desta vez já com a admiração de quem viu quatro números e duas estrelas premiadas no seu boletim, rimos e retorquimos:
- desenhaste também o klimt? mas como?
- foi a sofia que levou lá para a sala para desenharmos.
e aí já não aguentámos mais, fomos à cata dos livros e papeladas que pudessem ter esses desenhos e ela lá foi identificando os que conhecia: os senhores a dormirem a sesta, os senhores abraçados a dar o beijo e por aí fora.
- e conheces este filha?
e foi tão giro ver a admiração dela por estranhar que lá em casa também havia girassóis como os lá da escola, imagine-se!
- estes girassóis não são como os que eu desenhei. os meus - para não variar - eram roxos!
e a coisa passou. e no quarto dela agora também quer os livros que têm "os desenhos que a professora sofia levou lá para a escola".
e eu claro, gosto que ela saiba estas coisas. coisas que só no 10º ano a professora guidinha nos ensinou, em longas sessões de slides.
mas também espero que haja um ou outro professor, que ao longa da sua vida académica, lhe relembre que a holanda não teve só artistas como o van god. artistas, cultura, arte... bom arte é marcar, numa final dum campeonato da europa, um chapéu ao melhor guarda-redes do mundo.
arte também é ser van basten.
e não filha, não estou por aí além entusiasmado com um eventual futuro artístico revelado através destes teus recentes conhecimentos. gosto que os tenhas, é certo. ainda noutro dia viste o guernica e lá voltaste a dizer «este também conheço». e prometi-te que te levava a vê-lo em madrid, como o pai e a mãe o viram: grande, imponente e dramático. mas devo-te recordar que o senhor da securitas que estava lá no musée d'orsay ao lado dos senhores a fazerem a sesta também sabem o que tu sabes. não é por andares mais perto da arte que ficas mais esperta ou culta. mas não te faz mal nenhum, isso não faz.
não com a sorte de quem lhe saiu o prémio maior, mas com a de quem fez, vá lá, dois números e uma estrela, com a calma e o desprendimento com que responde a estas questões, disse: «desenhámos os girassóis do van god».
com uma estupefacção igual à de quem viu a odete santos na tv, a ajeitar as mamas no soutien ou a repor o dente postiço no seu lugar, olhámos um para o outro, olhámos depois para ela que enquanto continuava a tentar ajeitar meia forminha de arroz com a faca e o garfo a imitar os adultos e dissémos ao mesmo tempo:
- do van god? oh my god!
e não conseguíamos conter o riso e admiração.
- ó filha, o senhor chama-se van gogh. que giro. e gostaste de pintar os girassóis?
- sim!
e gostei desse teu sim. foi um sim de quem deu a devida e correcta importância à coisa: nenhuma! tanto se lhe dava estar a desenhar os girassóis ou a reproduzir a fotografia do bebé do nevermind.
uns instantes depois, estava a esgotar-se-me o juízo porque andava de faca em punho a fazer plonc, plung, plig nos copos, jarros, beiras dos pratos e garrafas que se encontravam sobre a mesa.
- beatriz, pára com isso!
- plung, peng, ping, qlin, qlin, qlin, qlin, qlin, qlin.... é isso, pai, também desenhámos o qlin.
novamente a olhar um para o outro, desta vez já com a admiração de quem viu quatro números e duas estrelas premiadas no seu boletim, rimos e retorquimos:
- desenhaste também o klimt? mas como?
- foi a sofia que levou lá para a sala para desenharmos.
e aí já não aguentámos mais, fomos à cata dos livros e papeladas que pudessem ter esses desenhos e ela lá foi identificando os que conhecia: os senhores a dormirem a sesta, os senhores abraçados a dar o beijo e por aí fora.
- e conheces este filha?
e foi tão giro ver a admiração dela por estranhar que lá em casa também havia girassóis como os lá da escola, imagine-se!
- estes girassóis não são como os que eu desenhei. os meus - para não variar - eram roxos!
e a coisa passou. e no quarto dela agora também quer os livros que têm "os desenhos que a professora sofia levou lá para a escola".
e eu claro, gosto que ela saiba estas coisas. coisas que só no 10º ano a professora guidinha nos ensinou, em longas sessões de slides.
mas também espero que haja um ou outro professor, que ao longa da sua vida académica, lhe relembre que a holanda não teve só artistas como o van god. artistas, cultura, arte... bom arte é marcar, numa final dum campeonato da europa, um chapéu ao melhor guarda-redes do mundo.
arte também é ser van basten.
e não filha, não estou por aí além entusiasmado com um eventual futuro artístico revelado através destes teus recentes conhecimentos. gosto que os tenhas, é certo. ainda noutro dia viste o guernica e lá voltaste a dizer «este também conheço». e prometi-te que te levava a vê-lo em madrid, como o pai e a mãe o viram: grande, imponente e dramático. mas devo-te recordar que o senhor da securitas que estava lá no musée d'orsay ao lado dos senhores a fazerem a sesta também sabem o que tu sabes. não é por andares mais perto da arte que ficas mais esperta ou culta. mas não te faz mal nenhum, isso não faz.