domingo, julho 17, 2011

bagão félix, coisas bonitas, jornal i

... Uma das coisas de que gosto no Alentejo é do sentimento de solidão. De solidão não...

De isolamento? 
Isolamento, que é a patologia da solidão. É como o medo. Todos devemos ter; o que não devemos ter é a patologia do medo, a fobia. Ora bem, quando  a solidão é consentida e desejada – até podemos estar com algumas pessoas, mas num espaço restrito – dominamos os acontecimentos. Ver o céu à noite, as estrelas, ouvir os animais, o nascer do Sol e o pôr do Sol, que são soberbos na terra.


(...) 


Ainda guarda essas cartas? 
Algumas. Mas nunca mais as reli. Prefiro ter a memória do que está escrito. A memória torna o passado melódico. Aliás, a própria memória também me angustia. Muitas vezes tenho insónias. Não porque tenha problemas, mas demoro horas a olhar para o passado e a refazer a minha vida. Fico extenuado. Ainda ontem, entre as duas e as cinco da manhã, estive acordado, levantei-me.

O que faz nessas alturas?
 Vou trabalhar ou ler. Começo a calcorrear mentalmente os cantos da minha casa quando tinha dez anos, ainda os sei todos. Não preciso de fotografias, a melhor foto está dentro de mim e irá comigo.

Não é fácil ter uma grande memória.
 Mas tenho. Talvez já menos hoje, mas tenho imensa. Ainda hoje sei o sítio onde fui, o restaurante onde almocei, como estávamos vestidos. Tenho um apego muito grande à vida que já vivi, e alimento o futuro com o passado.

Quando faz esse flashback pensa no que poderia ter mudado?
 Não, curiosamente não. Sinto que foi o que foi. Não faço uma análise valorativa, axiológica. Estou cá porque os meus pais quiseram que eu estivesse e portanto essa memória também é uma forma de gratidão, pelo presente de poder viver. 


(...) 


Tem muitos tabus?
 Tenho alguns, mas só me liberto completamente com Deus. Não tenho uma relação contabilística. A fé subsiste com essa dúvida que às vezes me faz crescer e outras me faz cair. Sou um ser como os outros, mas continuo a acreditar numa entidade. Já reparou no mistério da vida? Para mim é incompreensível se não houver uma entidade acima de nós. Como Torga, que era agnóstico, dizia que andava constantemente a negar Deus mas era incapaz de o esquecer. Sou católico praticante, mas a minha principal confissão é só com Deus. É aquela em que sou mesmo verdadeiro.

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