eu bem lhes digo que não, que há histórias que não dão para transpor para o papel, mas há sempre uns quantos que insistem: - ó jaime, tu tens de lá pespegar com a história do boaventura, e eu até lhes digo "mas aquilo é coisa que tem de ser contada com gestos" mas eles não ligam nenhuma. cá vai.
a coisa passou-se há uns 12 ou 15 anos. o meu grupinho dessa altura tinha ido passar um fim-de-semana à terra da minha mãe. no regresso, tínhamos combinado parar em coimbra para jantar. éramos uns quatro ou cinco carros.
eu, parei ali nas redondezas do largo da portagem, e fomos, visconde da luz adiante, até ao tal restaurante.
às tantas reparo que até os cinco que compunham o meu carro, se tinham dispersado: a minha namorada, a irmã anica e o mariano, seguiram à frente. eu e o joão, irmão da namorada, ficámos para trás.
- ó joão, o pessoal?
- ihhh, pois é. ficámos a olhar para as montras e distraímos-nos.
- que barraca. sabes onde fica o restaurante?
- não. mas sei o nome. acho que era democrática ou democracia ou coisa assim.
e ali por volta do santa cruz, aproximámos-nos dum polícia - alto, bigodaça, barriga proeminente - e eu, começo então o famoso diálogo:
eu: boa noite, xô guarda, pode-me dizer onde fica o restaurante democrática?
(silêncio durante uns 40 segundos)
(eu olho para o joão, o joão para mim e o polícia em silêncio. impavidíssimo, diga-se de passagem.)
eu: democrática, não era joão?
joão: isso, democrática.
eu: pois, de-mo-crá-ti-ca, não é?
(mais silêncio)
joão: democrática, democrática. é isso pá, era mesmo isso: democrá-ti-ca!
(mais silêncio)
(às tantas)
eu: ó xô guard..
psp: CALMA!
eu: desculpe!
(medo)
(mais medo e mais silêncio)
(olho para o joão)
(o joão olha para mim)
eu: pronto, se não sabe eu...
psp: CALMA!
(e pega no seu uólqui-tólqui e pressiona o botão)
psp: alô central, aqui boaventura, escuto.
(crhhrrrhhrrrrr)
central: alô boaventura, aqui central, escuto
psp: alô central, aqui boaventura, pergunto: onde fica restaurante democrática?(atenção à falta de artigos nas frases.)
(crhhrrrhhrrrrr)
central: alô boaventura, aqui central, pergunto: porquê?
psp: alô central, aqui boaventura, informo: porque não me recordo.(crhhrrrhhrrrrr)central: alô boaventura, aqui central, informo: junto praça oito de maio, numa perpendicular rua da sofia
(boaventura sorri e abana a cabeça para cima e para baixo como se já estivesse a ver tudo.)(crhhrrrhhrrrrr)
psp: alô central, aqui boaventura, afirmativo! já visualizei mentalmente a localização do estabelecimento.
(crhhrrrhhrrrrr)
central: afirmativo!
sem olhar para nós, o guarda boaventura, ordena:
- sigam-me.
(medo e alguma esperança)
e começamos a caminhar, precisamente no sentido da praça da portagem, ou seja a direcção oposta à rua da sofia.
lá andámos, sempre atrás do agente da autoridade, os três num silêncio tumular.
e eu sem perceber o porquê deste andar para trás olhava para o joão, num misto de medo, de ambiente twin peaks, de sei lá o quê...
ali por volta do arco do almedina, num repente, o boaventura dá meia volta, nós parámos também sobressaltados com medo de chocar nele e é então que ele fala:
- vocês vão a com'a'quem vai sempre nesta direcção, passam pelo local onde nos encontrávamos, atravessam a praça oito de maio, passam a cgd, entram na rua da sofia, que é logo aquela que começa logo ali e, uns metros à esquerda, há uma rua pequenina onde está localizado o restaurante que os senhores procuram.
estou ainda para saber, porque raio andámos aqueles 150 metros para trás. será que a ideia do boaventura era fazer-nos apanhar balanço?
(fiquei com medo de olhar para o joão e nem me atrevi a olhar para trás)
(eu achava que aquilo era motivo suficiente para me escangalhar a rir durante 13 dias)
(pelo sim, pelo não, só me ri da coisa já no famoso democrática. aliás de-mo-crá-ti-ca!)