quinta-feira, maio 21, 2009

vodka, loucura e morte

nalguns círculos a história é por demais conhecida. noutros nem por isso. por ser hoje o dia que é, a pedido de várias famílias, cá estou eu a divulgar a coisa. meninos e meninas pequenininhas, vão para dentro, não leiam. pai, mãe, vós sabeis que eu sempre fui um valente aldrabão, não acreditem nisto por favor.

o luís estava prestes a fazer anos e
há já alguns dias andava a congeminar com o rui a realização do evento. no dia festivo, terminadas as aulas matinais, lá fomos os três, avenida de roma abaixo, até à charcutaria que havia (ainda há?) ali para os lados do hotel roma, antes da nanni strada.

com o ar mais machão e adulto que os nossos dezasseis anos podiam evidenciar, atacámos o charcuteiro:

- isto, a níbel de vodka, acha que é melhor o eristoff ou o smirnoff?
enquanto esfregava com um pano as maçãs expostas nas caixas da entrada, tirando delas o mais forte brilho que a casca pudesse dar, o senhor respondeu sem olhar para nós:
- smirnoff.

entreolhámo-nos os três e o aniversariante sentenciou:
- então é uma garrafa de smirnoff... (silêncio) ...e já agora duas garrafas de litro de tri-naranjus... (silêncio) ...e se tiver frescas ainda melhor.
- e se tiver uma garrafa vazia de água, daquelas grandes, também agradeço.

continuou a lustrar as maçãs e avisou:
- as garrafas de trinaranjus só saem com depósito.
- ahhh, nós pagamos. e prometemos que
aosdespois as vimos cá trazer!

excitadíssimos, subimos a avenida de roma em direcção aos relvados da estados unidos, não para jogar mais uma jogatana mas, desta vez, para uma celebração etílica.

feitas as devidas misturas na garrafa vazia de água, toca a acompanhar algumas das sandes que tínhamos connosco, com valentes (deci)litradas de vodka laranja.

a medo, também eu experimentei: - eh pá mas então é só isto? isto afinal não custa nada. e é docinho e tudo, caramba!

e toca a emborcar.

que maravilha!

minutos mais tarde, também a cristina, que morava relativamente perto, juntou-se à festa e deu connosco uns goles.

jóinha!

estava tudo ali na maior. tudo ainda dentro da maior lucidez. afinal aquilo não custava nada!

aproximava-se as 13 horas e aqui o bom do pedro ficou incumbido de fazer regressar as garrafas à charcutaria e receber o dinheiro do vasilhame. tranquilo. lá foi o rapaz.

e aqui é que começa realmente o filme. no regresso, ali pelos lados da sinfonia começa-se a ver que afinal a bebida parecia o vinho da marinha. aquilo começou a emarinhar-se por ali acima e a cabeça, ali pelos lados do café luanda, já estava com os platinados todos marados.

quando cheguei ao nosso rainha, no pátio junto do bufete, estava um pequeno caos com alguns dos companheiros de ritual já meio mandados abaixo, resultado daquele combate contra as garrafitas.

a primeira aula da tarde era de geografia. a professora era uma gaja nova, minorquinha, madeirense, de franjinha, com um aspecto assim, meio militante do chapitô. era uma bacana.

numa das filas, sentou-se na frente o , seguido por mim, o rui e o luís. assim, bonitinhos.

a aula, para variar, estava num alvoroço do caneco. todo o povo a falar, todo o povo levantado e a professora, coitada, a tentar explicar onde ficavam aqueles países africanos com nomes esquisitos.

a fila terrível, estava a ser comandada pelo . ele, segurava as rédeas daqueles outros três, que por aquela altura deviam já ter mais álcool que sangue dentro das veias. e desata o a iniciar uns movimentos de break dance prontamente imitados pelo trio de bêbados que se sentavam atrás dele. ou era um simples levantar de braço, assim a imitar o movimento duma cobra com um estalo de ombro a passar o movimento para o parceiro de trás ou era outra coisa qualquer que os outros copiavam, quase como as coreografias dos filmes da esther williams. no fundo aquilo era arte!

mas a desgraça estava a chegar. quando a professora exige que achandremos os cavais, mandando o para o fim da fila, decido eu avançar uma casa como no jogo da glória. deu-se a morte do artista: foi ver eu a levantar-me e um valente jacto de greg espalhar-se ali desde o estrado até ao quadro.

tudo de boca aberta num espanto do caraças, silêncio total. os olhos dos colegas na professora e em mim e às tantas há uma pessoa que se levanta, pega em mim, aponta o dedo à professora e diz-lhe: mande chamar uma empregada que limpe esta gaita. deixe o miúdo comigo.

a pessoa em questão era o augusto.

abro aqui um parêntesis para explicar do que realmente falamos quando falamos do augusto. o augusto tinha mais um ou dois anos que nós mas era cerca de 50 centímetros mais alto e 50 quilos (mínimo) mais pesado. era o gordo da turma. morava nos coruchéus, estava na nossa turma desde o início e costumava vangloriar-se que à noite, lá no bairro dele, andava sempre com uns gangs que eram uns terrores. assim, pela boca dele, aos 13 anos já tinham destruído com correntes, dezenas de pára-brisas; já tinha visto morrer, eventualmente nos seus braços, milhares de companheiros de rua que tinham sucumbido vergados pelo peso da droga e
já não tinha conta as pessoas lá do seu gang que estavam presas pelos delitos cometidos. limpava as lentes dos óculos com notas de vinte «ó puto, isto é o melhor para se limpar!», amava filmes de guerra «no ano do apocalipse now, mais nenhum filme ganhou óscares. foram todos para o apocalipse now. aliás, foi com esse filme e com o oficial e cavalheiro» e tinha uma perdição pelo monte cassino.

bom adiante.

a verdade é que tal como um soldado tira um camarada do teatro das operações, também o augusto decide pegar em mim, assim de lado como quem carrega um tronco debaixo do braço, entrando comigo no wc das miúdas «sai toda gente que eu trago aqui uma pessoa em coma!», enfia-me a cabeça numa sanita e desata a vociferar frases moralista-abarco depreciativas:

- vomita cabrão, vomita! deita tudo cá para fora, meu cabrão!

ou

- eu estou aqui a assistir ao começo do teu fim. sim, isto é o começo da tua morte.

ou

- ... e a seguir a isto - vomita, meu cabrão! - vem a droga. vi milhares como tu a morrer no meu bairro. vomita meu cabrão!

e mesmo que eu, pendurado de cabeça para baixo como são paulo, gritasse «ó auguuuuusto, não sai mais», ele nada fazia. continuava a gritar e a abanar-me fazendo de mim, da minha cara e cabelo uma real imitação daqueles cães boxers que preenchem o focinho com litros de baba.

visivelmente nervoso, o augusto deposita-me num dos bancos do pátio, rouba-me um cigarro, - assim como quem recebe um subsídio por despesas de representação - que acende e fuma enquanto que uma contínua (uma querida) se agacha e me pergunta:

- vomitaste?
- ssssssssssssssiiiiiiiimmmmm. - um sim dito quase a morrer.
- bebeste algum sumo?
- ssssssssssssssiiiiiiiimmmmm...
- pois, se calhar estava fresco e parou-te a digestão, coitadinho.

e o augusto abanava repetidamente a cabeça como quem diz «pois, pois, agora foi o suminho»

e mais uma viagem com o augusto, desta vez até ao bufete, para me obrigar a beber um café sem açucar. abre-me a carteira, saca dinheiro para pagar dois cafés (lá está a tal história das despesas de representação) e pede um café para ele e outro para mim, obrigando-me a beber o café frio e sem açucar enquanto fumava mais um dos meus cigarros:

- faz-te melhor assim. aguenta meu cabrão!

bom, a verdade é que depois tivemos um providencial furo de duas horas por causa da falta da professora de contabilidade e fomos, já num bando maior, novamente para o relvado da estados unidos da américa, ressacar os três meninos bêbados como um cacho, enquanto que outros colegas tentavam demover o augusto a levar-me para casa:

- ó pá, não vês que depois os pais dele descobrem?
- é bom que descubram. quer os pais do jaime, quer os do luis e os do rui. eles daqui a seis meses estão arrumados e já metidos na droga. isto é o início do fim!

conseguiram convencê-lo. seguiram-se mais umas cenas deprimentes num café da rio de janeiro. outras mais serenas lá nos relvados mas no fim ninguém morreu.

um deles, o luís, faz hoje 40 anos.

esta história aconteceu há 24.

que me lembre, eu nunca mais toquei em vodka.

(parabéns, cabral!)

8 comentários:

LP disse...

Tantas, tantas histórias parecidas que eu tenho. Maravilha - obrigada pelas recordações. E parabéns ao Cabral, claro!

Karla disse...

Ai pá, vou às lágrimas com as tuas histórias, Pitx! :D

Di Napoli disse...

Sabendo eu da envolvência da coisa, e apesar de algum drama que esta história tem (ou poderia ter tido...), sorrio ao lê-la e ao revisitar esses grandes tempos. Porque foram, sem dúvida, excelentes tempos!
Aquele abraço! :)

Cristina disse...

Claro que me ri, como da 1ª vez que contaste este episódio... entre tantos outros com o nosso "Gordo"... Também sei como era ser transportada debaixo do braço... mais incomodada com a proximidade física da personagem, do que com o acto em si. Partiu-me os óculos duas vezes.
Excelente prenda ao Cabral!

anónimo do livro disse...

Eu em digo, que estas estórias davam um best seller. Parabens ao Luís.

tcl disse...

mas olha que vodca é mesmo bom. saída directamente do congelador, só com gelo, quais sumo de laranja!
da charcutaria que falas, lembro-me que tinha uma daquelas máquinas de assar frangos no espeto, filas e filas de frangos de pescoço enfiado no rabinho do frango da frente a girar a descompasso e a perfumar a av. de Roma. Agora sou incapaz de comer um frango desses mas naquela altura, ou bem uns aninhos antes, talvez, era o máximo!

Anónimo disse...

Muiiiiitttoooo bommm ! Esvreves com a limpidez de quem lá esteve, mas sem a vodka, curiosamente!
S

dvd.gv disse...

lembro-me tão bem deste episódio, que ainda agora sinto os estilhaços do teu cântico gregoriano a rasarem os meus mocassins verdes (coisa máilinda q ainda hoje tenho xôdades...), e a sofia gritava: "JAIME! Ó JAIME! Ai meu Deus!"
quanto ao augusto, esqueceste na tua descrição de dizer que se baldava às aulas da tarde para ir ter com umas suecas (que como bem se sabe eram aos milhares nos coruchéus), porque elas faziam-lhe sempre uma punheta de mamas... e eu, ainda hoje não consigo tocar numa sueca