quinta-feira, setembro 11, 2008

To-lenço*




a única memória que eu tinha de toledo estava relacionada com uma soneca que todos nós fizemos, numa estúpida decisão de regressar de benidorm, demasiadamente cansados para fazermos mil e poucos quilómetros durante a noite, após um dia inteiro nos escorregas lá do sítio.

prometi que lá voltava e assim aconteceu, há coisa de dois anos, já devidamente atrelado pela minha mulher e a minha filha.

num dos chopingues centâres lá do burgo, curiosamente propriedade do senhor belmiro lá da senhora da boa hora, existe um supermercado onde comprei um porradão de coisas, entre elas as muito procuradas papas da cerelac. ao pagar, estendo o meu mb e, já de bê i na mão, fiquei a aguardar que a menina mo solicitasse. tal não foi o meu espanto quando a catraia me disse:
- passaporte, por favor.
- passaporte? tenho é aqui o bê i. não preciso de passaporte.
- sim, mas eu necessito do passaporte para conferir a tua identidade.
- sim, eu sei. mas eu sou português e não necessito de passaporte. pode ser feito com o bê i.
- não, para estrangeiros tem de ser com o passaporte.
- está bem. mas para estrangeiros que não pertençam à cê é é.
- não, aqui pedimos para todos os estrangeiros.

e a fila lá na caixa ia aumentando... e aquilo eram para lá de sete da tarde... e o povo queria mas era ir para casa e não ter um cabrão dum chico português a entalar-lhe a ida ao supermercado... e às tantas eu já pensava que aquilo tudo era para os apanhados....

- ó chica, não estás a ver bem a coisa, eu não preciso do passaporte. tu verificas a minha identidade aqui com o meu cartão ou então chamas lá quem tu quiseres que eu não tenho, nem preciso de andar com o passaporte quando venho aqui à tua terra.
- tem que ser com o passaporte.

e às tantas já se aproximava um simpático segurança, atraído pelo aumento de volume de som de uma certa pessoa**

- que passa?
- que passa, é o caralho! é aqui a tua colega ou lá quem lhe deu formação que não sabe para que serve um bê í e emperrou com a agulha no disco, na parte em que diz «passaporte».
- tem que ser com passaporte!
- bom, olha, telefona lá para a caixa central que eu daqui não saio.

e telefonou.

- ela diz que tem de ser com passaporte.
- mas eu sou português, foda-se! estão-me a dar baile, porra?
- lamento, tem de ser com passaporte!
- mas isto é só aqui no supermercado? é no bairro? é em toda a vossa cidade? olha, diz lá à menina da caixa central que tem de me vir cá explicar isto direitinho.

e veio. e veio também com a mesma conversa da colega da caixa mas com um ar mais pedante, mais dado a formação de vendas e relações humanas.

- sim, ela está certa. tem de ser com passaporte.
- mas não entendes que eu sou de portugal? cê é é, pá! não estás a ver? 1985? filipe gonzalez, mário soares? mosteiro dos jerónimos? assinatura? canetas e tal? fronteiras livres? népia de passaportes?
- tem que ser com passaporte! estrangeiro, tem de ser com passaporte?
- mas diz-me lá porquê?
- porque é mais difícil de falsificar que os cartões de identidade?
- ahhhhhhh, achas mesmo? ó filha, tu com quaisquer 300 ou 500 sacos, compras um passaporte falsificado ali na buraca ou coisa assim, entendeste? e vens-me com conversas de falsificações....


lembrei-me que a minha filha estava à nora com fome. o burburinho era idêntico àquele das provas da margarina becel. procuro na carteira, pego em dinheiro, pago e aviso a chefa.

- vamos ali à caixa central para eu fazer uma reclamação.
- de acordo.

e fomos, nós os três portugueses, o segurança e a chefa. lá chegados a menina entrega-me uma caneta e um papelinho, daqueles de escrever recomendações e sugestões para enfiar na caixinha de acrílico.

e é nestas alturas que eu me lembro do que a jei lou disse acerca do seu bronx «difícil não é sair do bairro. difícil é tirar o bairro de nós». e eu, calha de caminho, sem sequer me apetecer que o bairro saia de mim:

- ó estúpida do caralho, mas tu pensas que eu sou da lourinhã ou sou algum «fecha a roda», é? que merda é esta, foda-se? mas estás-me a dar baile? estás a gozar com o meu país? foda-se, não me fodas! estás-me a querer comer o prói e eu a ver? mas então eu peço o livro de reclamações e tu dás-me um papel de sugestões? estás armada em parva?

e o segurança
- acalme-se, acalme-se...

e a minha mulher
- perdes sempre a razão quando se te baixa o chinelo...

- mas acalmo-me o caralho! então não vês que a gaja está a dar-me baile? eu quero é o livro que é referido ali naquele aviso. ali, que diz que tem um livro de reclamações da secretaria lá do caralho da comunidade de castilha-la mancha, foda-se!

e a menina pega no telefone e faz uma chamada "para um colega lá de cima", segundo ela.

- lamento a confusão mas afinal o bê i também serve.
- ai também serve? ai sim? que bonitinho. ficaram foi todos com cagufa da queixinha no livro, não foi? havia era de te obrigar a ires ali para a caixa, à frente dos teus clientes e passares os produtos todos pela máquina, um a um, para aprenderes. como não vou a tanto, fazes o favor de passar para cá o dinheiro e pago aqui mesmo com o mb!

e à medida que ela ia inserindo os produtos, um a um, sem pistola de scanner nem nada, eu continuava a foder-lhe os cornos, conversando com o segurança.

- vês, tão armada em forte, tão armada em mete nojo com os portugas, mas agora arma-se em coninha de sabão. querias dar baile à gente? está bonito, está...
- calma, calma, tranquilho.
- ó meu querido, eu estou tranquilho, pá. agora não suporto é estarem-me a comer o cu e eu não poder gozar também, porra!



no dia seguinte, a minha mulher, sozinha, numa loja de roupa. a mesma história:
- tem de ser com passaporte!
- ai......

depois de umas conversas para cá, outras para lá. a justificação do bê i e tal... e às tantas a menina da loja, olha para uma coisa no visa:
- que quer dizer «dra.»?
- olha, é doutora. porquê?
- doutora, «médica»?
- sim, se for bom.... pode ser!
- ahhh, então tudo bem. pode pagar sem passaporte.

conclusão, "a níbel" de relações comerciais, em toledo, além de estúpidos também conseguem ser provincianos!


* alcunha que um meu professor de sociologia colocou ao actor sérgio viotti, que na novela meu bem meu mal, se chamava toledo. era um gajo ricaço que andava sempre bem vestido, com uns lenços de seda ao pescoço e tinha como esposa, a fressureira boazuda da isis de oliveira, ou seja, a mimi toledo.
** sim, eu!

4 comentários:

Bic Laranja disse...

Caramba, que tu és pior que o Chaves!
Cumpts.

Smootha disse...

eheh
Que aventura e pêras.

sofia disse...

Só tu para nos envergonhares no "istrangeiro" pá.

Anónimo disse...

Estive este Verão em Toledo, um casco antigo ao nível apenas do que há em Itália mas reconfirmei : o pessoal daquela zona é espantosamente antipático e muito grunho mesmo. castelhano, portanto.