preliminares:
- eu sou de lisboa, sou alfacinha retinto, roxo mesmo. sou da picheleira, do bairro velho, da zona do 30 (nem sequer sei se ainda é o 30). cresci ali, tenho orgulho das minhas raízes, sou bairrista e amo a minha cidade;
- não há nenhuma parte do país onde me tivesse sentido, digamos, mais "desconfortável"; passo muito tempo no norte alentejano e gosto muito daquilo, passo muito tempo na zona de góis/lousã/arganil e gosto muuuuito daquilo, sou feliz quando vou a coimbra, o oeste enche-me as medidas, há qualquer coisa em évora que me deixa muito bem, etc
- na terra da minha mãe, em vila nova do ceira, sou muito bem tratado e tenho muitos amigos. amigos do peito, amigos da náite, amigos que já me puseram a mão na testa para me ajudar a chamar o greg. gente rija. gente à maneiruncha!
acção:
a terra do meu pai é em trás-os-montes, mais propriamente em guide (lê-se güide), uma aldeia com cerca de 75 fogos, pertinho do rio tuela. é a terra que
inspirou o nome deste blog.
durante a primeira metade da minha vida ia lá todos os anos em agosto. era uma coisa em grande, palmilhávamos mais de 600 quiilómetros com o velhinho carocha sempre carregadíssimo, o que dava, mais coisa menos coisa, aí umas 13 ou mais horas de viagem. passava lá um mês inteirinho com horários e actividades que para mim, chavalo urbano, faziam daquilo um paraíso do caraças: saía de manhã e só chegava a casa à noite. porque aquilo era (é) uma aldeia e porque toda a gente se conhece, nunca houve da parte dos meus pais qualquer preocupação com o facto de não saberem onde eu estava durante aquela ausência: ou tinha almoçado em casa deste ou tinha comido uma malga de caldo verde em casa daquele ou tinha comido um mata-bicho em casa daqueloutro. outros tempos.
quis o destino que tivesse passado 21(!) longos anos sem voltar a trás-os-montes. por isso, quando no mês passado ia pela auto-estrada e, por volta de lamego, quando nos aproximamos de peso da régua, estava a entrar naquela provincia, senti que havia daquela terra um "apelo" qualquer, como que se daquele rio douro e as terras que o margeam houvesse algo magnético que me puxasse para aqueles montes. gostei e senti-me bem! senti-me a última peça dum puzzle quando esta é colocada e descobre-se o desenho completo. foi quando percebi que afinal eu sou dali. dali, daquele território, daquelas gentes.
voltar a rever aqueles rostos, aquelas casas, aqueles lugares foi indescritivel. foi como que voltar a pôr nomes nas fotografias da minha história.
o rio, porra, voltar a ver o rio, que coisa fantástica. aquele cheiro a peixe, a freixo, a choupo.... que saudades que eu tinha daquilo. a vargem, o local onde fumávamos às escondidas, onde curtiamos atrás das fragas e onde dávamos grandes mergulhos. mergulhos difíceis, mergulhos daquelas fragas com nomes míticos como: fraga funda, escaleirinha de cima, escaleirinha de baixo, tremidinha, a fraga de cá, etc.
e os nomes dos lugares lá da terra: a freixeda, terras boas, a veiga redonda (onde tivemos uma olga), o tapado, a curtinha, a capela do mártir...
e a família: a minha prima delmina que tem 102 anos, que vai sozinha à casa de banho, que ainda se consegue sentar sobre as pernas, dobrando-as para o lado. gente rija. muito rija mesmo. o abel, a albina (filha da delmina - outra que não sabe envelhecer. tem 78 anos e brinca com a minha filha de cócoras com os calcanhares assentes no chão), a minha isabel, o nosso gomes, o meu mário (o meu primeiro amiguinho). tudo gente do melhor. gente de abraço. gente que tem o meu sangue a correr dentro deles.
gosto muito das gentes do norte, gosto do seu carácter, gosto deles. gosto da mania que eles têm contra as pessoas do sul, principalmente contra as de lisboa. mais, eu tenho para mim que eles praticam esse ódio, vingando-se da malta cá de lisboa, recebendo-os com bons vinhos e boa comida e praticando uma inusitada e exemplar hospitalidade. como quem diz: vejam lá se vocês, parolos do camandro, conseguem receber assim? indescritivel. aliás, lá no norte não se diz "temos de combinar um jantar", lá diz-se: "hoje jantas lá em casa". e não tentem recusar, ganham um inimigo para a vida. é assim.
eu já sabia e não me lembrava, mas quando lá me encontrava no meio dos meus familiares, a comer um cabrito de que não tenho memória e a beber um tinto caseiro de excepção, reparei numa coisa que já devia ter desconfiado há mais tempo: eu sou do Norte, eu sou Transmontano.
e gosto!